terça-feira, 20 de novembro de 2007

Retratos (26) - Um breve regresso a Económicas com passagem para o ISESE

* Victor Nogueira
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Está um dia de calor abafado. Desconhecendo ainda o que a casa gasta, saí de manhã com o guarda‑chuva na mão e o casaco debaixo do braço. O que vale é que Lisboa é grande e a minha parvoíce passa desapercebida. Estive em Económicas com a Dra. Manuela Silva,[2] sobre a possibilidade de participação no corpo docente do ISCEF. Para além disso S.Exa perguntou‑me o que fazia eu, e como lhe dissesse que estava no "exército industrial de reserva", perguntou‑me o que me interessaria (talvez haja possibilidade no MEC) e ficou de contactar comigo. Os contínuos (o sr.Pinto e o sr.Cascais) - vê lá! - ainda se lembram de mim e perguntaram‑me se eu voltava para Económicas. Ah!Ah!Ah! ([1]) (MCG - 1974.09.12)
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[1] - Em Luanda as entradas e saídas nos Liceus eram controladas. Pelo que em Portugal, na 1ª vez que entrei em Económicas, no antigo Convento do Quelhas, em 1966, dirigi‑me ao porteiro, creio que era o Cascais, dizendo que era aluno e se podia entrar. Enfim, caloirices ingénuas, como depois verifiquei, pois a entrada nas faculdades era franca e ninguém controlava as movimentações.
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[2] - A Manuela Silva, católica progressista pertencentia ao movimento GRAAL, tal como a Engª Lurdes Pintassilgo e uma psicóloga muito conhecida, «ligada» então aos Jesuítas, que se a memória me não falha se chamava Maria João Belo, Antes do 25 de Abril a Manuela Silva pertencia à SEDES e fora minha professora no ISESE, onde leccionava Planeamento Social, frisando que desenvolvimento económica só tinha razão de ser se conjugado em simultâneo com o desenvolvimento social. Tinha por mim como estudante uma estima e consideração especiais.
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Na cadeira por ela leccionada as provas de frequência e os exames finais eram escritos e com liberdade de consulta, embora o trabalho de fim da cadeira condicionasse o acesso ao exame final. Este tipo de exame, com possibilidade de levar livros e apontamentos para as provas de frequência e para os exames finais era caso raro, salvo nalgumas das cadeiras de Direito.

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A época de exames no ISESE era uma estopada e, no meu entender, uma sequência de provas de resistências física e psicológica, pois cada ano tinha inúmeras cadeiras anuais e semestrais e os exames eram praticamente diários, quando não havia dois no mesmo dia.
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Face à onda de contestação estudantil liderada pela Associação de Estudantes e pela Junta dos Delegados de curso (das duas também fazia parte), a Direcção do ISESE, exclusivamente formada pelos jesuítas, reolveu «militarizar» o Instituto, instituindo o método de desfazamento temporal dos exames de frequência semestrais, para além de manter um rígido controle de assiduidade, de modo a quebrar, com êxito, a união e conjugação de esforços dos cursos e dos alunos. Por outro lado a Direcção esvaziou quase por completo as receitas com a venda das sebentas, de cuja Secção Folhas fora o responsável durante sucessivos mandatos por eleição dos estudantes, convencendo a maioria dos professores a entregar a sua edição aos jesuítas. Ora em qualquer AE a Secção de Folhas era o principal sustentáculo daquela, que permitia o desenvolvimento das actividades das restantes secções. O próprio bar do Instituto nunca foi gerido pelos estudantes, ao contrário do que sucedia nas cantinas em muitas Faculdades ou Institutos das restantes três Academias
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Para além disso a esgotado «núcleo» duro organizado em torno da Associação de Estudantes, não se recandidatou, pelo que até ao 25 de Abril as Direcções da AE passaram a ser nomeadas pelos jesuítas, embora se aconselhasem e discutissem previamente connosco as questões por sua própria iniciativa.

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Com efeito foi no final do ano em que o nosso mandado findava (1971) que «rebentou» o «violento» confronto entre a AE e a Comisssão de Festas dos Finalistas. O grupo organizado em torno da AE era contra a introdução de praxes, que nunca tinha havido, entendendo que os estudantes se deviam vestir como toda a gente. Por seu turno e nesse ano em torno da Comissão de Festas dos Finalistas, que era norma ser subsidiada pela AE, entre outras fontes de receita, juntaram-se os que queriam introduzir praxes que as outras Academias haviam abolido, para além do uso duma vestimenta que distinguisse os estudantes do ISESE da restante população: por um lado os «tradicionalistas» e menos abonados, com a adopção da capa e batina coimbrãs, queima das fitas e demais «folclore». Por outro a elite dos «betinhos» que pretendia instituir uma fatiota como a dos colégios ingleses, com distintivo bordado no bolso do lenço e gravata a condizer, também com emblema.
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O embate terminou com um empate no final do ano, que se traduziu numa vitória pois nos anos seguintes até ao 25 de Abril a «elite» desistiu de voltar à carga e depois deixou de ter condições para fazê-lo.

Retomando o fio à meada, resolvi pois deixar aquela disciplina - Planeamento Social - para a 2ª época - mandara à professora o trabalho de Luanda, onde sempre ia nas férias grandes, após troca de correspondência entre mim e ela. Fui o único aluno que compareceu, acompanhado dos calhamaços para a prova. O Pe. Augusto da Silva, s.j.Secretário da Direcção, quis impedir-me que eu consultasse o material mas eu disse-lhe que isso era uma permissão da responsável pela cadeira, que ele estava ali como simples vigilante das provas, que os meus colegas da 1ª época tinham utilizado o método da consulta, e que se ele persistisse na sua eu entregaria a prova em branco, com a minha justificação e assinatura. Disse-lhe que olhasse para o texto da prova e logo veria que ele se baseava no saber adquirido e na consulta de material. Tratava-se duma prova de conhecimento e capacidade de fundamentação do raciocínio e não na simples capacidade de memorização.

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Ele leu o texto da prova que me entregara e lhe fora enviado pela professora, «recuou», disse-me que fosse ao Gabinete dele entregar a prova logo que terminasse o tempo e deixou-me sozinho na sala.
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Por essa altura e até ao 25 de Abril participava nas reuniões semi-clandestinas do núcleo da SEDES em Évora, não prepriamente porque esta quisesse derrubar o sistema, mas sim torná-lo mais «humano», embora não me coibisse de dizer que por aquele caminho não se iria longe na efectiva democratização da sociedade portuguesa a todos os níveis. Para mim o interesse das reuniões resultava da possibilidade de estudarmos e discutirmos colectivamente os documentos da SEDES e contribuir para a sua elaboração.
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Entre outros que já esqueci, contavam-se a Dra. Madalena Queiroga Perdigão, [
que depois da «Revolução dos Cravos» foi Governadora Civil de Évora - 21 de Fevereiro 1980 a 11 de Julho 1983], um jovem bancáriode apelido Cruz, que tal como a Madalena aderiu ao então PPD, tendo feito parte da 1ª Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Évora, o Dr. Abílio Fernandes, meu professor de Análise de Balanços ou Contabilidade Analítica no ISESE, que depois militou sucessivamente no MDP/CDE e no PCP, tendo sido o 1º Presidente eleito democraticamente para a Câmara Municipal de Évora.
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Apesar disso e anedóticamente muitas funcionárias protestaram que não aceitavam que o Presidente fosse preto (o Abílio é indiano), como se a opinião pessoal delas tivesse força para se opor ao voto maioriário das primeiras eleições democráticas em Portual, onde pela 1ª vez a todas as mulheres foi reconhecido o direito de cidadania, incluindo o direito de voto.

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Após o 25 de Abril tive uma breve passagem pelo MES (Movimento de Esquerda Socialista) e depois passei a «independente», recusando até 1976 a filiação em qualquer partido, não obstante os convites e pressões tão divesificadas como os do PPD, do PS, do MDP/CDE, do PRP/BR, da UDP e do PCP.
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Sobre o contexto socio-político da criação da SEDES em 1970, ainda na onda da chamada «primavera» marcelista, podem ver:
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