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terça-feira, 13 de maio de 2008

O Alentejo Rural - antes e depois de Abril


Gravura - Building a rainbow de Tito Salomini.

* Victor Nogueira

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Arraiolos - Inquéritos às Condições de Vida e de Trabalho (1973)

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Arraiolos

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Os inquéritos vão correndo. Não acredito no trabalho que estou fazendo - uma maneira do Ministério das Corporações e Previdência Social despender umas massas dos contribuintes sem que para eles advenham benefícios. Com uma semana de inquéritos sou capaz de fazer um relatório sobre a situação dos trabalhadores do concelho de Arraiolos, que não diferiria muito dos resultados que se virão a apurar com o tratamento estatístico das informações obtidas. Qualitativamente melhor. A maioria das respostas parecem tiradas a papel químico. Endureço o meu cepticismo e a minha sensibilidade, transformo me numa máquina de fazer perguntas e penso apenas em termos de quanto dinheiro já apurei: quantas horas vezes trinta escudos! "Sim, comecei a trabalhar com 8(9, 10... 15 anos, o meu pai era trabalhador rural, não sei ler - ou não continuei a estudar (porque não havia escola, porque era preciso trabalhar, porque não havia sentido disso... )", "o desemprego é o pão nosso, soube do emprego por um amigo que falou, ora com pode a gente melhorar a categoria profissional ?!" "Um meio de valorização a aquisição de conhecimentos ?" eis as hipóteses previstas no questionário que me faz comentar - Estes técnicos ex universitários de Lisboa são uns líricos.

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"Claro, a mecanização não traz prejuízos para os trabalhadores e a emigração permite mais trabalho e salários mais altos". "Estaria contente com o meu salário se... " "Chegavam me 80 (90, 100...) escudos diários se o Governo tivesse mão na alta de preços." "Férias ?! Está a brincar comigo ?" (Até já nem faço a pergunta! Para quê!? ) "Falto ao trabalho quando chove, quando tenho assuntos a tratar, quando tenho... " Assistência médica? 20 fichas, uma consulta semanal no Sabugueiro" Não tem ficha? Espere, levante se mais cedo, morra ou vá ao médico. Também isto de dois médicos em três ou quatro freguesias com 20 consultas diárias cada, fora as outras fora da Casa do Povo! "Um sindicato ? Sei lá o que isso é!" (Alguns pensam que é o Grémio da Lavoura.)

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Pergunto me quanto dinheiro está o Gabinete do Ministério das Corporações e Previdência Social a esbanjar? Sim, porque tudo continuará na mesma! Entretanto, entretanto penso em termos de 30$00 /n hora, num mínimo de 530 $ 00 por semana! (MCG - 1972.11.20)

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A ruas de Arraiolos estão também feéricamente iluminadas, fruto da quadra natalícia. Pela última vez! Amanhã já não se ouvirão cânticos religiosos pelas ruas. "Tudo acaba nesta vida, até nós.", como ouvi há pouco de passagem - uma comadre confiar a outro, ali junto ao presépio, na praça - cujo pelourinho é, agora e por enquanto, uma palmeira. Arraiolos é uma terra pacata. Ali a cadeia está desabitada há anos, com uma indicativa bandeira branca numa das janelas.

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Acabei de inquirir um rapaz de 14 anos. Anda com o pai a guardar. É muito senhor do seu nariz e pouco afeito a fatalismos. Mas isso dificilmente lhe dará os meios necessários para abandonar o detestado trabalho rural e continuar a estudar para electricista. A irmã dele, tapeteira desempregada, também está descontente. O Sindicato conseguiu melhores salários para as tapeteiras. Mas as empresas da região , alegando não poderem suportar os encargos resultantes. Solucionaram a questão, uma encerrando as portas, as outras despedindo operárias. Mas como o serviço tem de ser feito e como as pessoas precisam de viver, algumas continuam a trabalhar, sim, mas no domicílio. Os encargos dos patrões são assim menores (nada de férias, nem descontos, nem subsídios, nem indemnizações...)

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Foi o presente de Natal - muito em voga no Portugal de hoje - mau grado o esquecimento compreensível do Marcelo [Caetano] e do Pai Tomás nos seus discursos [da quadra]. As tapeteiras ganhavam à tarefa 400 $ 00 / m2 de tapete, vendido a 1000 $ 00 / m2. A partir deste mês passam a ganhar mensalmente uma quantia fixa. Mas a sua consciência sindical é quase nula ("Quem pode manda" e "Sempre foi assim") e a irmã do Vitorino continua sem emprego e sem companheiras que resolvam reunir se no Sindicato para discutir o problema! (MCG - 1973.01.08)

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Encontrei hoje a primeira pessoa que me falou abertamente contra a "guerra no nosso Ultramar". ("nosso, não - acrescentou - que eu não tenho lá nada") Mas não falou contra por nobres ideias. Arrendatário de 500 ha de terras (desde há 49 anos), pareceu me um lavrador à antiga, estilo senhor de escravos, cm salários de fome, condenado à morte, como o segundo, um rendeiro de 15 ha há 30 anos. O mundo andou e eles ficaram para trás. Ganharam a batalha durante 40 anos mas perderam a guerra. Nas pesquisas que fiz pela biblioteca do Instituto descobri 2 livritos interessantes, dum tal Pequito Rebelo, pessoa célebre na altura, sobre a agricultura cerca de 1925 / 1931 (são dessa altura) Por essa altura (1925) o Governo da I República queria promulgar uma lei da reforma agrária (não sei se ainda conseguiu fazê lo), para divisão dos latifúndios do Alentejo e distribuição das terras pelos tipos do Norte, uma tentativa para diminuir a emigração para o Brasil. E o Pequito Rebelo desenvolve toda uma argumentação para justificar a manutenção do estado de coisas. Um primor. Claro que o 28 de Maio de 1926 permitiu o "triunfo" momentâneo destes tipos como os que citei atrás. A lei que o Ministro Ezequiel de Campos pensava promulgar era chamada de "comunista" pelo Pequito. Não houve "revolução" no sentido de se proceder à reforma agrária. Mas o desenvolvimento do Centro e Norte da Europa determinou o êxodo, primeiro dos rurais e agora dos operários e doutros jovens. Agora gritam que não têm pessoal, falam contra a emigração e a guerra. (MCG - 1973.06.08)

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Encontrei, ou antes, numa das ruas de Arraiolos fui abordado por um miúdinho (10, 12 anos?) que me perguntou se me lembrava dele. Claro que me lembrava vagamente, mas ele localizou o nosso encontro e lembrei me de toda a cena e do avô dele que eu inquiri... Lembro me praticamente todos os sítios onde estive e das cenas. Esqueço me, por vezes, das pessoas. O miúdo (reprovou na 3ª classe) anda a servente de pedreiro - 10 $ 00 diários. ("É pouco, mas preciso de ganhar algum"). É um miúdo giro e despedimo nos com uma bacalhoada. (MCG - 1973.11.23)

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Igrejinha


Escrevo dum café aqui na Igrejinha, enquanto espero que o empregado me traga os comes e bebes que enganarão o estômago até à hora do jantar, em Évora. A tarde hoje está "porreirinha", mas a produtividade tem sido pouca. (..) A Igrejinha tem sido para mim uma terra "difícil". Numa venda, um velhote meio cego queria que eu o inquirisse, porque tinha muito que falar. Que nós só escolhíamos quem queríamos para falar e não quem sabia e dizia isto batendo com uma grossa bengala no chão. Tive pois que tentar desenlear os enredos de que me apercebi. Quando dei por isso estava no centro duma multidão, que na maioria me dava razão - pelo menos ali - incluindo o velhote, agora mais calmo. Eu até nem sabia que uma mulher me tinha posto na rua (segundo as conversas dela com as vizinhas) porque eu andava a querer saber da vida dela (se poupava dinheiro, onde o guardava, se fora ela que dera de mamar aos filhos, se o médico assistira ao parto...) - Tinha la inquirido sobre a Vida da Família, cujo inquérito tem perguntas delicadas. e ela mostrara se muito agreste e desconfiada, atitude que até compreendo, tanto mais que o marido emigrara há 15 dias. Mas depois do meu discurso as pessoas davam me razão, que sim, que já outros tinham andado a fazer aquelas "procuras" ("A minha mulher e eu também respondemos e não tinha nada de mal, nenhuma falta de respeito" ou "Sempre há gente muito estúpida") E assim se amainou a tempestade. Mas outra me esperaria, ao inquirir um taberneiro velhote que é seareiro (este ano é o último, pois aquilo não dá)

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Às tantas um homem com ar espertalhote (46 anos, ao que me disse) intrometeu se na conversa, porque quisera emigrar mas não pudera por causa da idade. E vai daí gerou se uma conversa sobre o que valia mais, se o lido (estudos) ou o corrido (prática) e, portanto, se um jovem ou um homem da idade dele ("Qual escolhia o senhor?", perguntava me); sobre o estado da agricultura, cuja solução, para os presentes (suponho que seareiros e proprietários ou rendeiros de quintais de 0.5 a 5 ha.) era a distribuição das grandes terras por quem quisesse nelas trabalhar, completamente inconscientes de que o mundo é outro para além daquelas terras, insensível a métodos e processos de exploração agrícola ultrapassados, sem respeito pelo "corrido" doutras eras. Um outro proprietário com quem falara - esse já com propriedades maiores, estava consciente - como alguns outros - da necessidade do cooperativismo e da agricultura de grupo, da mecanização e da introdução de novas culturas e processos de cultivo, do regadio e da exploração pecuária (que não é ter meia dúzia de ovelhas e uma vaca). Mas as pessoas, segundo eles, são muito desconfiadas, pensam sempre que o vizinho o quer enganar e armam se em "espertalhões".

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Deparo assim com uma arraia miúda tradicionalista em política agrícola - pese embora a sua consciência aguda de alguns problemas - e com outra mais consciente, mais aberta, que tem um certo "desprezo" por aqueles. Mas o sentimento de que a agricultura está em crise é mais ou menos geral e que na terra apenas ficam os inválidos e os analfabetos, sem brio profissional. (1973.03.26)



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Sabugueiro

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Escrevo dentro do carro, ao lusco-fusco, enquanto ouço os chocalhos do gado que recolhe. Cantam cigarras e há um certo sossego ao cair da noite. A minha vista ergue-se do papel e vagueia pelos campos verdejantes, muito arborizados, atravessados pelos postes (telefónicos? eléctricos?) onde se avistam os pirilampos das motorizadas e das máquinas agrícolas, quebrando a harmonia que de longe se ouve. Pelo carreiro onde parámos passam mulheres, ainda jovens, de negro vestidas, que deixam ao ar apenas a cara e as mãos trigueiras. Carregam umas, bilhas castanhas, apoiadas na anca, estevas outras. Todas menos uma, coloridamente vestida com um casaco e uma camisola, ambos de malha. Alguém passa assobiando, mas não é a miúdita transportando um balde tão grande quase como ela, passa e vai olhando para mim. Escrevo já à luz do carro: anoiteceu completamente. (MCG - 1973.03.22)

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Na camioneta para o Sabugueiro, aguardo a sua partida, no meio da vozearia fina da miudagem que a enche, de regresso a casa. (1973.11.08)


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Torre de Coelheiros

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Aqui na Torre de Coelheiros, novamente após 5 anos. Já parou de chover torrencialmente, mas o vento sopra com bastante força. Estou aqui na secretaria da Casa do Povo, um edifício inaugurado há cerca de 13 meses.(o que se deduz da lápide comemorativa] (...) O escriturário está ali na escrivaninha em frente trabalhando - é um rapaz novo que prefere o sossego do campo ao bulício da cidade - e a ajudante do médico está aqui defronte de mim lendo uma papelada; acabou de fazer um curativo a um homem que por aí apareceu.

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A nova sede tem uma sala de espectáculos - no palco uma televisão, ali, sozinha, no meio. Quatro a cinco telespectadores por noite, cinema aos sábados, cada quinze dias. Tem também uma sala de leitura, com um jogo de damas, um quadro na parede e estantes quase vazias, salvo alguns livros (de propaganda) e folhetos cheios de pó. Há uns 30 e tal livros mas são da Junta Central das Casas do Povo e estão arrumados, não vão estragar se ou desaparecer. Onde estou é a sala da secretaria, com uma parede de vidros, dando para a sala de espera do consultório. Do outro lado, a sala de consultas (com um gabinete de radioscopia que tudo leva a crer continuará ainda por muito tempo como sala vazia) e a sala dos tratamentos (com um gabinete de esterilização nome pomposo duma saleta que tem um lavatório de alumínio e um cilindro para aquecer água).

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Para ver na aldeia, o "castelo", como chamam a uma casa nobre, com uma torre de menagem, dum nobre qualquer. Nela funcionam a escola e a telescola. Desisti de ir visitá-lo. No resto é uma aldeia como as outras. Os jovens marcharam em busca de outros ares e ficaram as mulheres, os inválidos e os velhotes. (1) (MCG - 1974.02.12 )


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Vimeiro

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Encontrei no largo principal uma camioneta da biblioteca itinerante da Gulbenkian. Como não podia deixar de ser tive de lá meter o nariz. Cheirei os livros - bastante gastos pelo uso - e meti conversa com o funcionário. A sede daquela parece que é em Évora. (MCG - 1973.01.12) (2)

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Aqui estou na Praça Dr. Oliveira Salazar, no Vimeiro, sentado num banco. São 19:45 e ouve se a algazarra das crianças pelas ruas e das mulheres falando. Passam miúdas, normalmente aos pares. No alto a lua é quase um círculo prateado, ao entardecer que vai esfriando. O Citroën 2 cavalos do Fialho está aqui ao pé. Daqui a pouco tenho de ir até à venda, ponto de encontro. Não me apetece estar lá, forasteiro. Antes esta quietude, esta serenidade do entardecer. Pássaros chilreiam e dois cães param além na esquina. Não é a primeira vez que estou nesta aldeia, tão grande ou maior que a Amareleja.

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Estou agora a fazer inquéritos à vida das famílias. (...) [Entro na taberna]: pedra ao longo das paredes, na altura de um homem, pintada de verde, um balcão corrido azulejado da mesma cor, uma ventoinha, um televisor e um frigorífico. Prateleiras cheias de garrafas, rebuçados e tabaco. Mesas oleadas e cadeiras, tresandando e brilhando de gordura. Em pé ao balcão ou sentados às mesas, homens que não primam pela elegância no vestir, bebem o seu copito e trocam o seu dedito de conversa.

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Só fiz um inquérito hoje. Um velhote de 72 anos, cabo reformado da GNR e ex-comandante do posto do Vimeiro. Muitos elogios ao Marcelo [Caetano] (já o carcereiro de Arraiolos me dissera: "Deus o conserve por muitos e bons anos"). Um casal de velhotes simpático, à moda antiga, que nunca bateram nos filhos, que no entanto tinham de andar na linha, nada de saídas nem bailes. (MCG - 1973.03.16)

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A exiguidade das terras só permite aos seus proprietários empregar, eventualmente, mão de obra assalariada , nomeadamente nos meses de maior trabalho: NOV / DEZ (apanha da azeitona) e MAIO / JUNHO (Ceifa). Outras tarefas que antigamente ocupavam muita gente estão em declínio, como é o caso da monda,, que no Inverno dava trabalho (mas tal já não sucede por causa das "químicas") Também a mecanização da ceifa (ceifeiras debulhadoras) diminui o número do pessoal empregado nessas tarefas.

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Nos períodos de ponta já existe dificuldade em recrutar mão de obra indiferenciada, em contraste com os tempos de outrora. Antigamente e segundo vários testemunhos recolhidos, p.ex., chegavam a juntar se duzentos trabalhadores na praça do Vimeiro frente ao posto da GNR implorando emprego e, na Igrejinha, normalmente apenas uns duzentos dos oitocentos trabalhadores conseguiam trabalho.

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A emigração terá sido a última resposta dos trabalhadores rurais a esta situação de miséria, permitindo aos que permaneceram auferirem melhores jornas e obrigando à mecanização dos trabalhos agrícolas.

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(...) E no entanto a crise da agricultura vem de longe, no tempo. Nos primeiros anos de 1930 a Direcção da Associação dos Trabalhadores Rurais, na Igrejinha, recebeu um ofício [do Governo] inquirindo de propostas para resolver as crises de trabalho: a divisão e o arrendamento das propriedades, foi a resposta. Dias depois, uma camioneta cheia de polícias armados parou à porta daquela Associação e levou presos os membros da Direcção, segundo o depoimento dum velhote que fazia parte dela e que me surpreendeu pelas referências feitas à CGT (Confederação Geral do Trabalho): "Ainda estivemos presos 12 dias. Ora se eles queriam fechar a Associação, escusavam de estar com estas coisas. Eles podem, logo mandam". (...) Contudo outro inquirido afirmou, noutra ocasião: "Não, nunca associações de trabalhadores cá na Agricultura. Na Igrejinha? Não, isso começou aqui em Arraiolos. Quando foi da República, em 1910. Mas isso não resultou. O Presidente era analfabeto e fugiu com o dinheiro. Mas nunca houve associações dessas cá entre os trabalhadores. Nem na Igrejinha." (1973 - Inquéritos às Condições de Vida da População de Arraiolos)


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1 - Na véspera, em Valverde, Évora, houve um debate animado entre o [Emídio] Guerreiro e dois regentes agrícolas, professores na Escola de Regentes Agrícolas, sendo um deles proprietário. Este, mais velhote, encerrou se num beco sem saída: o Alentejo não tem condições para a agricultura. Não tem e não tem! Pronto! Nem há possibilidade de reconversão agrícola ou de reforma agrária. A experiência do Eng.º Canelas ?[nosso professor de Gestão de Empresas Agrícolas] A ver vamos (ele há de falhar, deixem estar, estava implícito na sua resposta. "Isso é porque tem o dinheiro da CUF e não apanhou ainda um mau ano agrícola. Enfim, viva a rotina! (MCG -1974.02.11)

2 - Vimeiro - principal aldeia na área do município, com diversas igrejas.

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Uma "manife" em Évora, num verão quente

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Ontem, no comício do PC, ali no Rossio de S.Brás, o Álvaro Cunhal falou na independência dos povos das colónias. Mas nem uma única palavra, ou referência, aos movimentos de libertação: MPLA, FRELIMO, PAIGC! ([1]) Ainda antes do Álvaro Cunhal falar o palco foi abaixo por duas vezes. Uma multidão imensa concentrava‑se em redor do palco, junto ao Monte Alentejano, agitando‑se inúmeras bandeiras vermelhas do PC. Bem orquestrada, a multidão repetia as palavras de ordem, de punho erguido. Detecto, junto a mim, um grupo que deve ser da "claque". Quando se falam nas torturas sofridas pelo Cunhal e outro comunista, uma mulher ao meu lado diz‑me: "Coitadinho! Bandidos!" E a multidão grita: "Morte à PIDE!". Dois delegados dos Sindicatos Agrícolas (Évora e Beja) enumeram as quebras dos contratos colectivos de trabalho e o nome dos latifundiários. A multidão grita: "Morte aos cães!" "A terra a quem a trabalha!". Ao meu lado, algumas mulheres dizem: "É assim mesmo!" e "Essa sou eu!", quando se fala em ranchos despedidos. O Álvaro Cunhal cita as lutas revolucionárias dos trabalhadores alentejanos e a "palha" que os latifundiários teriam mandado dar aos trabalhadores que imploravam comida. E a revolta; que enquanto houvesse ovelhas, galinhas e porcos não comiam palha os trabalhadores!

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O Partido faz a sua campanha e no palco estão tipos que já conheço de há muito. Por detrás deles, enormes, em fundo vermelho, as efígies de Marx, Engels e Lenine. A brancura de Évora é agora quebrada por cartazes do PC. Marx, Engels e Lenine enchem as ruas, conjuntamente com cartazes com a foice e o martelo. (MCG - 1974.07.28)



[1] - Movimento Popular de Libertação de Angola, Frente de Libertação de Moçambique, Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde.

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MORA

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Em AGO 1975 visitei a vila onde nasceu o meu avô Luís - As fotografias que então tirei mostram um largo com uma igreja e a sua torre sineira, as paredes cobertas de cartazes do MDP e grafittis do PCP, vermelho no branco das paredes - "Vota PCP, pela consolidação da DEMOCRACIA rumo ao SOCIALISMO - Pelo socialismo proletário contra o socialismo burguês" ou "Camarada, não te deixes iludir com falsos socialismos, socialismo há só um, o socialismo proletário que liberta o homem da exploração do capitalismo e o conduz AO COMUNISMO, não te iludas nem com falsos socialismos nem com falsas liberdades", este dentro duma cercadura verde e vermelha. (Notas de Viagem, 1997)


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Amareleja

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Situada perto da ribeira do Ardila, possui moinhos de água nas margens do Guadiana. O cemitério espelha um costume característico, cuja razão desconheço, com as campas ao cimo da térrea, onde ninguém é enterrado. (Memórias de Viagem, 1997)

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Esta é uma terra como poucas, aldeia, grande embora, mas com... postais turísticos. (1) E bem povoada de mirones nas esquinas. O Largo do Regato é o Giraldo do sítio, com muita gente conversando, acima do qual existe um jardim. Dois cafés: o dos ricos... e o dos pobres, como não podia deixar de ser. Tal como sucede com as duas Sociedades [Recreativas]. (MCG - 1972.10.17)(...)

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A acreditar [no sr. Coelho], entre outras coisas, os(as) amarelejenses são libérrimos em matéria de relações e tolerância ("Tudo boa gente e amiga de receber") Ah! Ah! Ah! ("Mas parece me que lá pela Amareleja não apreciam muito a MA " [ao que me responde: "Bem as pessoas não vêm com bons olhos que ela meta o namorado lá em casa a qualquer hora, mas ninguém liga que vá com ele para qualquer lado, de carro ou que vão passear pelo campo, como vocês fazem". Ah! Ah! Ah! (MCG - 1973.03.09)

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O quarto onde tenho dormido em casa do senhor Cachopo - o da frente - é barulhento. Toda a noite se ouvem motorizadas roncando e homens cantando com todas as cordas vocais desafinadas. Numa das vezes ouvi cantar os versos duma das canções dos "ensaiados", no Carnaval. (MCG - 1973.04.02)

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(...) Para não falar nas "cowboyadas" e fotonovelas [na RTP] mais os filmes à quarta feira na Casa do Povo. (MCG - 1973.07.03)

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(...) A viagem [de regresso da Amareleja] foi rápida, com minutos de silêncio, outros de conversa animada e outros de busca desesperada de palavras, no negrume da noite, com a estrada deslizando sob nós, o rádio transmitindo música e as pontes aparecendo bruscamente na curva da estrada, dois parapeitos brancos, esguios, varridos pelos faróis do automóvel. (MCG - 1973.11.20)

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(...) Nos arredores da Amareleja existe um castelo arruinado. Falou me dele a Ana Maria, que disse que o acesso de automóvel era difícil. O Castelo está isolado e não me ocorre o nome [Noudar]. Quanto ao Monte da Estepa diz que nada de especial tem para ver. (MCG - 1973.11.21)

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Ajoujado de sacos de viagem, ele apeia se no largo da aldeia, circundado de casas de dois pisos, feias como não são as que conhece doutras terras alentejanas. É um rapaz moreno, em cujo rosto avulta um enorme bigode. Olha em volta e a cara ilumina se (ou antes, as guias do bigode permanecem imóveis, enquanto o rosto se abre). Seguimos o seu olhar enquanto ele atravessa a praça e entra no largo [do Regato], cheio de homens gozando a aragem quente do entardecer, falando em todas as coisas sem interesse: a última história do velho sargento mai la professora (aquilo é que foi um forrobodó!), (2) de olhinhos "concupiscentes" e língua ferina - guardado estava o bocado....

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Mas estas e outras histórias não as ouve o moço que agora atravessa o largo, algo atrapalhado pela multidão - forasteiro em terra estranha - até pousar os sacos e abraçar, com muito carinho, a rapariga que se aproximara dele. Os homens do largo abaixam se para apanhar os queixos que tinham entretanto deixado cair ao chão e recolhem os olhos às órbitas. Houve um, coitado, a quem eles saltaram com tal força e rapidez que as lunetas ficaram apenas em cacos de lentes agarrados aos aros (como irá ele logo ver o teleteatro?)

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Abraços, ambos entram em casa e aqui o escriba interroga se se não deverá retirar se discretamente, não vá perturbar a sua (deles) intimidade. Mas tal discrição é desnecessária, porque a D. Maria, senhora muito simpática (quando não está com a mosca) lá está ao cimo das escadas, para zelar pela moral e bons costumes. Portanto continuamos a seguir o parzinho que vai retirando da mala livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros,... bolas, chega! Eles riem se às gargalhadas e dão se mais outro beijinho.

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No dia seguinte, ela aparece roufenha, quase afónica, tossindo cavernosamente, enfim, parecem o espelho um do outro. Os homens no largo têm mais uma história e um vale de lágrimas corre pelas escadas abaixo e a toda a presa vêm barquinhos que passeiam pelas ruas da Nova Veneza, em noites de luar com alvoreceres de rouquidão! (MCG - 1973.08.02)

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Conheci a Ana SorRiso dos Olhos Grandes e o Zé Honrado naquela aldeia grande que é a Amareleja, onde existe um Largo do Regato que se não vislumbra e morava a Maria Papoila, no 1º andar por cima duma loja, numa casa sem portas interiores. No tempo da outra senhora era aquela uma aldeia aberta, com os bailes na Sociedade e os longos passeios dos casalinhos ao longo das estradas que dela partiam ou para ela convergiam.

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Tinha a Amareleja muita gente conhecida: a Marília (muito bonita) e o tio, o sr. Coelho (da oposição ao regime e dono da farmácia), o Diogo (meu colega na pensão da D. Vitória), a Adélia, o sr. Guerreiro (regedor da aldeia) e a D. Marcelina (pais do Diogo e da Adélia), a Ivone (muito faladora, à espera do pretendente e do casamento que tardava), a D. Manuela (dona de uma loja e, como a anterior, professora), para além do casal velhote com a mercearia, [o senhor Cachopo] no largo da igreja arruinada, em cuja casa ficava aos fins de semana, com o motorista da camioneta da carreira. Seguramente que havia mais gente, como a minha colega do Instituto, simpática, cujo nome esqueci e que por vezes me dava boleia [Ana], ou o Chico (Lucas] Honrado, que também fora meu colega. (AMC) (3)

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1 - Amareleja e Aldeia Nova de S.Bento, também no Alentejo, eram aldeias muito populosas, tanto ou mais que muitas vilas e algumas cidades de Portugal

2 - Esta expressão vem das festas grandiosas dadas pelos Condes de Farrobo no seu Palácio das Laranjeiras, em Lisboa.

3 - Escrito em Setúbal em 1989.06.06 - ESCRITOS EM UMA NOITE DE PRIMAVERA PRESTES VERÃO / POR ISSO NÃO SE FALANDO EM MANHÃS DE NEVOEIRO

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Santo Amador

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O rádio transmite uma entrevista sobre o Festival da Canção de sábado, que em Santo Amador dever ser noite de povo reunido [na rua], olhos especados no pequeno ecrã, [pois quase ninguém tem televisão.] Como será quando chove? (MCG - 1972.03.23)

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Santo Amador fica num desvio da estrada para Safara. É uma aldeia pequena, onde as casas tradicionais coexistem e vão sendo substituídas pelas "mansões" dos emigrantes. Creio que é uma terra de pequenos seareiros, com os seus cafés (tabernas), a igreja e a sociedade recreativa. Nos arredores improvisa se um cercado para as corridas de touros, que num certo ano ruiu. As mulheres permanecem em casa, às vezes na má-língua, enquanto os homens convivem de taberna em taberna, convidando-se mutuamente para copos de vinho, chegando ao fim do dia bêbedos a casa. Depois... os copos acabaram por ser substituídos por chávenas de chá. Ao fim do dia os cérebros teriam deixado de estar toldados, mas os nervos talvez ficassem mais á flor da pele. (Memórias de Viagem, 1997.08.20)

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Pequena aldeia alentejana, de ruas empedradas, ladeadas por casas térreas, brancas. Situa se num desvio da estrada para Safara. Terra de pequenos proprietários agrícolas, conhecida pelos seus meloais, os montes em redor foram sendo abandonados. Tal como na margem esquerda do rio Guadiana, para os quintais acede se por um largo e característico portão, mo meio de alto muro. (Memórias de Viagem, 1997)

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BEJA

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Esta torre [de menagem, do castelo de Beja] tem umas vagas semelhanças com a de Belém. O dia hoje está invernal. Até parece que as estações vão mudar, passando o verão a inverno e vice versa. (MCG - 1971.06.04)

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No jardim de Beja, às 18 e 30 da tarde, a uma mesa do Deck Bar, o saco de viagem ao lado, aguardando a partida do comboio para Évora. (...) Pessoas conversam sentadas a outras mesas; além dois alemães de que não pesco nada. (MCG - 1972.08.01)

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Tudo já está para trás por enquanto O comboio chegou com quarenta minutos de atraso e foi tomado de assalto pela mini-multidão. Uma senhora abusava da sua condição feminina e furava e empurrava à busca de um lugar. Fiquei sentado junto a um rapaz magro, alto e barbudo, muito preocupado com o casaco (novo ?) que as irrequietas miúditas da frente teriam sujado com os pés. Numa estação qualquer [a caminho de Évora] entrou uma rapariga de ar assustado, carregada de cestos, que ajudei a colocar no comboio; em vez de sorrir-me e/ou agradecer me pediu me desculpa com um ar tímido e assustado, que a não largou o resto da viagem. [Como sempre] fiz a viagem debruçado na porta escancarada, como adoro, o vento a bater me na cara. (MCG - 1972.08.02)

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Estou em Beja, na casa da Cultura. Está uma tarde de verão, apesar do inverno não ter ainda acabado. Ontem à noite andei a passear pelas ruas da cidade, que me pareceu mais bonita na parte velha, fazendo me lembrar Faro. Logo à noite vamos jantar a uma cooperativa em Pias. (...) Esta Ermida [de Santo André] não é tão bonita como a de S. Brás, em Évora. (SRN - 1988.08.03)

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Salvada

Aldeia alentejana a doze quilómetros de Beja, de casas brancas e térreas, com as suas características chaminés, e um largo onde avulta o edifício degradado do antigo cinema, hoje fechado, símbolo duma imponência que o tempo deixou para trás. Como em muitas aldeias alentejanas existem duas sociedades recreativas, a dos ricos e a dos pobres, que organizam bailaricos, onde se bebe e onde se disputam circunspectos jogos de cartas, como a sueca. Uma estreita e sinuosa estrada liga Beja à Salvada, via perigosa, ladeada de árvores, onde se verificam não poucos acidentes de viação. (Memórias de Viagem, 1997)



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Safara

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Aldeia modesta, onde existe um largo com a torre do relógio, a igreja, cafés e as duas colectividades tradicionais nas povoações alentejanas: a dos ricos e a dos pobres. A casa da Bia Almeida, de dois pisos, com um quintal grande. Mora no 1º andar, ao qual se ascende através duma escadaria exterior de pedra, que desemboca numa varanda-galeria com colunas. Todos os quartos estão ligados entre si e situam-se em redor dum salão central, para o qual todos têm portas.


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Barrancos

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Na raia, ao fundo da estrada, surge Barrancos, pequena e pouco populosa vila alentejana espraiando se pela encosta duma pequena elevação, de casas brancas e telhados vermelhos, as ruas estreitas confluindo para a praça. Neste lugar isolado fala se uma mistura de português e castelhano, o barranquenho. Do outro lado da fronteira fica Encinasola e perto, sobranceiro ao rio, o Castelo de Noudar, do século XIII. Em Barrancos se lidam touros de morte, apesar da proibição das leis portuguesas, uma vez por ano, no terreiro central, à sombra dos edifícios da Câmara e da Igreja, numa "praça" improvisada. (Memórias de Viagem, 1997)

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Beringel


No terraço numa casa duma vila alentejana [que foi do Marquês de Minas] sob o céu maravilhosamente estrelado duma noite de verão. (1)

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De Beringel, cuja calma e sossego eu amo e que ficará para trás, com o seu enorme casarão, mais o Jacinto, a Anita, a Teresa e o João [primos do Camilo Monteiro] (MCG - 1972.08.01)

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Igreja matriz e algumas outras capelas. Teve algum florescimento nos séculos XVIII e XIX. Olaria característica. (Notas de Viagem, 1997)

1 - Do poema TELEDRAMÁTICO, escrito em 1985.07.30

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MONTE DA AROUCA E VALE DE GUISO

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O portão [de Paço de Arcos] chiou, vou até à porta e recebo a carta que o carteiro me entregou. Leio-a e montes de perguntas me venhem à cabeça: Qual é a casa [da Celeste] ? Que tal o caminho até Vale de Guiso? O homem da mercearia é o do telefone? Esse é que é o sr. Fernando Lucas Correia, do posto público? Vai todos os dias a Vale de Guiso? Se não vai, quando vai? (MCG - 1974.10.08)

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Estamos a meio da tarde de domingo, aqui no Monte de AROUCA (1) onde a Celeste dá aulas, uma herdade enorme que quase parece uma aldeia, agora abandonada (quase) pela crise da agricultura e da política dos agrários. O monte fica junto ao rio Sado, a 10 km ao sul de Alcácer do Sal e a 2 horas de camioneta de Lisboa. No meu colo está a minha amiga Eva, filha duma trabalhadora [Aciolinda], e que tem 3 anos. Uma "mulherinha", como me diz. A mãe dela aquece se ali ao lume, enquanto a Celeste lê e a mãe arranja as azeitonas que colheu ontem à tarde. (NSF - 1974.11.27)

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Está um dia cheio de sol, quente na rua, fresco em casa. Os pássaros chilreiam lá fora, por entre o rumorejar da folhagem das árvores. Estou na Arouca, mas só amanhã começo a trabalhar, como agente do Instituto Nacional de Estatística (...) no Distrito de Setúbal. Este mês tenho cerca de 90 inquéritos, a maioria na península de Setúbal: cidade, Sesimbra, Seixal, Barreiro, Alhos Vedros, Montijo e Alcochete. (NSF - 1977. 11.15)

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Um Monte nos arredores de Alcácer, de acesso difícil e perdido nas brenhas. (MCG - 1988.07.17)

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Ao Monte da Arouca podia chegar-se a partir de Alcácer subindo o Rio Sado, estreito e de margens verdejantes. Em Vale de Guiso, um cais de madeira. Para a outra margem, para Arouca, o acesso era mais difícil. A ligação entre as duas margens fazia se por barco, sendo necessário muitas vezes chamar o barqueiro. Daqui, pelo meio dos arrozais, a pé, com o carrego na mão, às costas ou à cabeça, chegava se ao monte, a uma certa distância.

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Outros dois acesos eram por terra, de automóvel, ou a partir da Herdade/Estalagem da Barrosinha, seguindo por uma estreita estrada à beira rio, que nalguns pontos derrocava no inverno, impedindo o acesso por automóvel. Restava o outro caminho, pelo meio do montado e seguindo estreitos e múltiplos carreiros, quase intransitáveis no inverno, salvo para os jipes, carreiros sem sinalização sendo a escolha certa fruto da memória e da experiência.

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O Monte da Arouca era quase uma aldeia, com as casas dos trabalhadores rurais, de telha vã, chão de lajedo ou cimento, com dois quartos e uma sala comum, esta com lareira, sem portas interiores e quase sem janelas. Para além desta a casa grande dos agrários, no caso os Lince, a escola primária, com tanque de rega adjacente, o armazém (com lajes com inscrições, talvez provenientes dalgum cemitério). Tirando a casa grande, as outras não tinham instalações sanitárias; as necessidades satisfaziam se no campo, por detrás dum muro ou dum arbusto.

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Também não havia electricidade (sendo a iluminação feita por candeeiros a petróleo, dentro de casa, ou com pilha eléctrica no exterior, em noite de lua nova). Não havendo também água canalizada, esta era fornecida pela fonte, mais adiante, junto ao canal e perto da ponte de madeira que permitia a passagem dos tractores agrícolas. A água era transportada em bilhas ou cântaros, trazidos à cabeça ou à ilharga. Junto à fonte, com bomba, encontrava se, no meio de canaviais, o tanque, utilizado para a lavagem da roupa. Espalhadas pelo campo, ao abandono e em degradação, várias alfaias agrícolas, algumas delas sendo maquinaria.

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Na altura em que lá vivemos a maior parte das casas estavam desabitadas: habitavam apenas a família do capataz, que havia aderido à Reforma Agrária (2), e a família do senhor Custódio: esposa (sra. Catarina), filhas (Aciolinda e ... ) e neta (Eva), filha da primeira.

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Vale de Guiso é uma aldeia no outro lado do Rio Sado, com um cais de madeira, para os barcos que nele navegam e fazem a travessia entre as duas margens, como se referiu. Trata-se duma aldeia de casas brancas, com pequenos quintais ajardinados defronte, onde sobressai a Igreja e um edifício vizinho arruinado, com alguma imponência. Na venda junto ao rio fica o telefone público, outrora meio de contacto com o exterior. A alguns quilómetros fica o apeadeiro ferroviário com o mesmo nome. Numa aldeia próxima, vizinha, o táxi, que transportava o pessoal de e para Alcácer do Sal. As casa têm um pequeno quintal fronteiro, arborizado, o que não é habitual no Alentejo.

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Os terrenos são arenosos, sinal de que outrora toda esta vasta região esteve coberta pelas águas marinhas. Sobreiros, oliveiras e pinheiros são o coberto vegetal característico, cuja principal cultura, de regadio, é o arroz.

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Toda esta região de Alcácer do Sal é arenosa, testemunho da sua cobertura pelo mar, antes deste recuar deixando a descoberto esta fina areia branca, aqui e ali quebrada por afloramentos calcários, acastanhados; para além de sobreiros, na região abunda o pinheiro manso. (Memórias de Viagem, 1997.08.20)



1 - No tempo da Reforma Agrária esta herdade e as vizinhas foram integradas na Unidade Colectiva de Produção Soldado Luís, homenagem ao militar morto no ataque aéreo das forças do General Spínola ao Quartel do Ralis, em Lisboa, a 11 de Março de 1975.

2 - O Monte fora integrado na Unidade Colectiva de Produção Soldado Luís, morto no ataque feito pelas forças contra-revolucionárias ao Quartel do RALIS, em Lisboa, a 11 de Março de 1975.


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ALCÁCER DO SAL

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Apaixonei-me por Alcác.er desde a 1ª vez que a avistei, vindo do Sul, debruçada sobre o Rio Sado, onde se reflectia. Gosto das suas ruas que vão subindo até ao Castelo Mouro, outrora arruinado e hoje em recuperação para ser mais uma pousada. O edifício da Câmara é bonito, com os seus painéis de madeira no átrio. No edifício vizinho duma antiga Igreja funciona o Museu Municipal. Gosto de passear pelas ruas da vila, de passar pelos seus arcos, de avistar os campos de arroz na outra margem, viveiro do que me desagrada: os mosquitos. Alcácer é terra de passagem e breve paragem das camionetas no seu largo incaracterístico. É também terra dos agrários, senhores das enormes propriedades dos arredores, como os Montes de Porshes, Arouca e Barrosinha.

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Situa se Alcácer do Sal no cruzamento da via romana para Beja e na margem direita do rio Sado.

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É uma povoação que se desenvolveu ao longo do rio, subindo por ruas íngremes, por escadarias ou atravessando arcos. Duas ruas paralelas ao rio, na parte baixa, uma marginal, outra interior. No castelo arruinado, ninhos de cegonhas.

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Nos arredores, o Santuário medieval do Senhor dos Mártires, fundado nos séculos XIII ou XIV pelos Cavaleiros de S. Tiago. Na outra margem, no caminho para a Carrasqueira, Comporta e Tróia (1) existem casas de colmo, com barras brancas transversais, características da região, idênticas às que também existem na Carrasqueira (porto de palafitas) e na Gâmbia.

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Alcácer é terra de arrozais e da grande propriedade agrícola, onde abundam enxames de mosquitos, ao entardecer, para contrabalançar o encanto dos campos verdejantes, de regadio, em redor.

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Santa Susana - pequena aldeia, onde parava a camioneta a caminho do Torrão, de casas brancas com rodapés, molduras e cunhais pintados de azul e uma igreja no topo do largo arborizado. Foi uma terra com alguma importância, com a sua sala de cinema, entretanto encerrada devido à concorrência da televisão e à emigração, como em muitas aldeias, vilas e cidades por esse país fora. (Memórias de Viagem, 1997)


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188- Povoações onde os veraneantes podem banhar se em praias oceânicas, para lá das dunas.

CANHA

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Fiquei encantado com a Canha, a 1ª vez que lá fui, fazendo inquéritos para o Instituto Nacional de Estatística, numa região onde a agricultura e a pecuária ainda são importantes, perto do cruzamento de Pegões. Embora situada no Alentejo, os seus habitantes não se consideram alentejanos. Tem um largo principal de casas baixas e um "quartel" de bombeiros voluntários. Perto situa se a ribeira do mesmo nome. (Memórias de Viagem, 1997)

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SOUSEL
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"Uma pequena vila alentejana, incaracterística, de não sei quantas centenas de habitantes, de casas baixas, caiadas, de ruas mal-pavimentadas, sem cinemas, sem um bom café, tendo apenas para oferecer a quem passa uma atmosfera de profunda serenidade, de grande e verdadeira calma. ("NSM" - 1969)

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De Sousel [fundada por Nuno Álvares Pereira], terra de pequenas courelas, atravessada por um modesto ribeiro, nada recordo, a não ser a casa da Noémia, que teria pertencido ao senhor D. Manuel I, e duma sala que nela existia, com uma janela com dois bancos salientes na espessura da parede, para além dum terraço fresco debaixo do céu estrelado

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O edifício dos Paços do Concelho, de dois pisos, é uma construção modesta, ladeado por um espaço calcetado relativamente amplo onde existem bancos de jardim e algumas oliveiras. Perto situa se um pelourinho. A vila teve um castelo, derrubado em 1913, merecendo visita algumas casas apalaçadas e as igrejas. (Memórias de Viagem, 1997)

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sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Arraiolos - Solar da Sempre Noiva


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Solar da Sempre Noiva, antigo acento de lavoura da Herdade com o mesmo nome. Situado nos termos da freguesia de Nossa Senhora da Graça do Divor, chega-se lá pela Estrada N370 que liga Évora a Arraiolos. Volumosa construção recolhida no recato de uma cerca murada e aconchegada na imensa planície a norte do burgo amuralhado de Évora. Solar edificado nos finais do século XV, durante a governação de el-rei D. João II, época em que o Alentejo era uma província frequentada assiduamente pelo poder.
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Edifício de traça manuelina mudéjar, aparenta outros acrescentos posteriores. Evidência o construído um soberbo torreão de dois pisos e encerra um vasto salão térreo entre outras divisões com rasgadas janelas de moldura em bisel.
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Cosido ao paço, existe um magnífico horto de recreio ao estilo mudéjar. Tem este solar uma auréola romântica cerzida com o nome e bem ao jeito adoçado da mitologia popular de tradição oral. Corre pelos mais velhos que a morgada donzela foi, no dia da boda e já trajada de noiva, abandonada pelo amado a quem mais amor tinha que à sua própria vida. Donzela que morreu sem nunca mais ter envergado outro traje que o da brancura nupcial. Daí que em certas noites, os que do solar se abeiram, a vêem em janela costumeira de branco vestida e cabeleira solta.
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Menos romântica mas igualmente bem madrigal, será a justificação que poderá estar na profusa existência na região de uma planta espontânea, designada cientificamente de “centinodia” e a que o gentio chama de sempre noiva.
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Sempre tive uma particular predilecção por este lugar, por ventura inclinado pela magia do drama nupcial e bradada aparição. Bastas noites porfiei em vão pela alva donzela. Talvez bem aquém estaria eu do garbo do seu amado. De vez em vez perco-me ainda pela Sempre Noiva. Paixões!
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Publicado por machede em janeiro 17, 2004 12:29 AM
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Deste meu blog dê uma saltada ao post anterior, intitulado:
Arraiolos - Cadeia e Tribunal em 1973

Arraiolos - Cadeia e Tribunal em 1973



* Victor Nogueira


Ontem em Arraiolos, enquanto fazia horas aguardando as vinte, quando regressariam a casa os únicos dois inquiridos que me restavam, fui visitar a cadeia lá no largo onde param as camionetas da Setubalense e fica a Câmara mais o posto da GNR, os CTT e a praça de táxis (e quiçá também da má-língua). Do largo a cadeia destaca-se pela sua torre sineira, qual igreja, e pela suas duas janelas fortemente gradeadas. Há muitos anos que no seu segundo piso flutua um pano branco, indicativo de desocupação.
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O sr. não sei quantos (motorista de táxi que me tem trazido a Évora, de Arraiolos ou de Santana do Campo ou S. Pedro da Gafanhoeira) apresentou-me ao carcereiro, o sr. Agostinho, um velhote forte, de cara quadrada e enrugada, respirando solidez por todos os poros. As celas são em número de quatro, grandes e frias, além do segredo, um tugúrio agora transformado em casa de banho da cela do primeiro andar (a dos pequenos delitos), todas elas de paredes larguíssimas e portas duplas, a interior de ferro, gradeada, e a exterior de madeira.
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Outrora os presos dormiam em enxergas, que de dia eram arrecadadas, mas uma oferta de camas de ferro pelo sr. qualquer coisa Mira e de colchas ("dez, que custaram na altura mil escudos") pela esposa dele acabaram com as dormidas no chão. Outrora a cadeia, segundo o sr. Agostinho, andava que nem um brinco ("Nem cheira a cadeia", teria dito um juíz qualquer de passagem) e os presos faziam gala disso ("Não pode ser uma cadeia, parece uma enfermaria", diriam as pessoas que da rua espreitavam pelas grades). Mas os tempos são outros, agora há menos delinquência porque a miséria é menor, há mais trabalho e tudo apresenta um ar de abandono, a caliça a cair, as cadeiras partidas ou rachadas, poeirentas, as colchas brancas com flores encarnadas agora manchadas ("Sabe, antigamente eram lavadas todos os anos, mas agora já há três que isso não sucede"). Também os juízes permitem que a prisão por pequenos delitos seja remível em escudos (o que em meu entender constitui um aumento das receitas do estado e uma diminuição das suas despesas!).
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Apesar do respeito dos presos pelo sr. Agostinho ("Lá vem ele!" diriam ao ouvir os seus passos:"Nunca nenhum me faltou ao respeito"), houve pelo menos duas tentativas de fuga, duma ainda se vê o remendo na parede; outra foi descoberta no momento X: um pau enfiado num cobertor, um varão da cama partido ao meio servindo de alavanca, o entulho e pedras escondidos debaixo das outras camas, o buraco por outra, a espessura da pedra estava quase em nada, quando as vibrações foram detectadas por um motorista de praça que ocasionalmente se encostou á parede.
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Não me parece que quem quer que fosse se regenerasse numa cadeia assim, que até nem seria das piores. Mas a inactividade e a tristeza que emanam de toda aquela penumbra e do encerramento em quatro paredes!...
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O sr. Agostinho não sabia com quem falava e não ficou muito convencido:"o sr. se aqui está por alguma coisa é!" "Isto deve ser um inquérito, não?". "Mas eu estou a falar-lhe com o coração nas mãos." Como não podia convencê-lo, continuei a minha visita, que terminou na sala do tribunal. Sim, que até essa ele me mostrou; a primeira em que entrei nos dias da minha vida. Ah!Ah!Ah! estas minhas visitas turísticas! (... )
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Mas,....voltemos àquilo de que estávamos falando: da sala do tribunal, à qual se ascende por um corredor azulejado e por umas escadas de pedra, no cimo das quais uma porta à esquerda nos introduz numa sala grande dividida em duas partes. Atrás bancos de encosto corridos, para o público. Uma grade, como as que outrora separavam - nas igrejas - os fiéis dos catecúmenos, separa este daquilo que eu chamaria - por comodidade - o palco - com os cacifos do juíz, do delegado do procurador da República, dos advogados e do escrivão. Em frente ao juíz um banco corrido - o do(s) réu(s) - e, um pouco ao lado, uma cadeira - para a testemunha que estiver a ser inquirida. Pelos bancos umas capas pretas (sujas) e na parede por cima do juíz um busto amarelecido representando a República. De cada lado uma porta, dando para dois cochichos, cada um com uma secretária e uma estante, gabinetes já não me lembro de quem, com um aspecto desolado. Do outro lado, ao fundo da sala, uma porta de madeira dando para uma sala escura, com um escarrador e bancos corridos, um armário velho sem prateleiras, tudo com um ar muito soturno, e onde as testemunhas estão encerradas, fechadas à chave, enquanto o oficial de diligências as não chama, uma de cada vez, para prestarem declarações ao tribunal.

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Um dia destes tenho de ir até ali ao tribunal, nas portas de Moura [Évora], para assistir a um julgamento. Já agora gostava de ver uma representação ao vivo! (MCG - 1973.03.14)
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Foto: Jorge Correia Santos - Arraiolos - Solar da Sempre Noiva - janela manuelina