terça-feira, 14 de agosto de 2007

Um homem na Lua


* Victor Nogueira
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Ontem um bêbado abordou me quando via os livros na montra da Livraria dos Salesianos [Évora]. Queria saber qual era a melhor história que ali estava. Ou a maior ? A de todo o mundo! De todos os tempos. Que todos aqueles livros eram mentiras. Para as pessoas comprarem pensando serem verdades. Era a máquina! Se eu acreditava que o homem tinha ido à Lua, se eu vira com os meus olhos. Que os jornais e os livros só diziam mentiras. Que nenhum homem pudera ter ido à Lua porque ele não vira. E que eu tinha sido enganado pelos jornais. Era mentira, talvez tivessem ido, mas tinham morrido todos. Que isso dos submarinos andarem debaixo de água era diferente: era a Terra.

Quanto pagaria eu para ele me contar uma história daquelas, vinda do fundo do coração? ( E vai daí, faz um gesto como que proveniente das profundezas do mesmo mas, ou pela bebedeira, ou lá porque fosse, o gesto iniciou-se baixo demais e não pude deixar de comentar com a minha habitual ironia: "O seu coração está baixo demais!". )

Quis saber o que eu fazia - se era escritor e já escrevera o meu livro - e não acreditava que eu vivesse do ar e do vento. Enfim, que se tivesse 25 anos como eu estava mas é em Lisboa, que isso sim! E lá se ia agitando desequilibradamente o velho (de 57 anos), num asilo, convidando-me (ou convidando-se) para um copo ali na taberna, beata ao canto da boca com um grande morrão e deitando perdigotos como nuvem rota em dia de inverno.

Mas nem queiram saber a insistência com que ele duvidava da ida dos homens à Lua. (MCG - 1972.10.23)
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NOTAS
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Tenho mais três histórias um pouco semelhantes. Tivemos um criado negro em Luanda, o Fernando, que se dizia filho dum soba, no sul de Angola, para onde voltaria para suceder ao pai quando este morresse. Pois o Fernando não acreditava que houvesse barcos tão grandes que pareciam hotéis, com quartos, salas de comer e de estar, cozinhas, piscina, etc. «Não, o menino Victor está a enganar-me», respondia teimosamente. Para ele, barcos eram apenas os dongos ou canoas, os «gasolinas» com motor fora de borda como o dos meus pais ou as traineiras, pois nunca tinha entrado num dos paquetes ancorados no porto de Luanda.
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As outras duas foram passadas com a Celeste, a mãe dos meus filhos, que era professora do ensino primário. 


Uma vez foi «desterrada» para dar aulas num monte que era uma aldeia, o Monte da Arouca, onde se chegava por uma estrada iniciada ao pé do Monte da Barrosinha, ao longo do rio Sado, intransitável em tempo de chuvas. O outro caminho era tomado mais adiante, chegando-se à Arouca (que era na altura a Unidade de Produção Agrícola Soldado Luís - morto no ataque aéreo ao RALIS em 11 de Março de 1975). Este caminho era um emaranhado de trilhos, como sabe quem já transitou pelo Alentejo, com pontos de referência memorizados para não nos perdermos). O avio era feito na aldeia (Vale de Guiso), defronte ao monte, sendo o Sado atravessado de barco, gritando-se para que da outra margem nos viessem buscar. Era aí que também se apanhava o taxi para a vila. Pois os miúdos da Celeste foram uma vez à vila (Alcácer do Sal) e ficaram boquiabertos ao verem um comboio, um autêntico monstro para eles.
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Outra história passou-se na Canha, onde a Celeste, durante o ano lectivo se hospedou numa das casas da aldeia. A sogra ou mãe da dona da casa já era velhota e surda, mas assistia às telenovelas todas (na altura brasileiras) inventando os enredos conforme o que via. A velhota nunca tinha passado de Vendas Novas (a uma dúzia de quilómetros) e então comentava: «Não conheço ninguém! Isto não é pessoal (os actores) cá da aldeia. Isto é tudo pessoal de Vendas Novas, pois não são meus conhecidos». Para ela o mundo terminava e não ia além de Vendas Novas.
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2007.08.14
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A imagem é reprodução dum autocolante da «cumperativa» Soldado Luís e uma homenagem a todos quantos, na sequência do 25 de Abril de 1974, acreditaram ser possível construir uma sociedade mais justa, mais humana, mais generosa, sem fome, miséria ou ignorância, miserávelmente enganados pelos que sempre foram ou deixaram-se tornar marionetas, paus mandados ou testas de ferro dos senhores da Terra, que não desistiram do poder que viram escapar-lhe, mas depressa recuperararam. Ou que se venderam por um prato de lentilhas ou por uma carteira mais recheada.

4 comentários:

De Amor e de Terra disse...

Há nestes textos uma constatação triste, por tanta coisa de "desterro" no corpo e/ou na alma e também "desterro" geográfico, que vai sendo menos, felizmente...

De todos os desterros, o pior é esse de alma, que por vezes se torna demência e outras(raríssimas) clarividência!

Gostei muito Victor.

bj

Maria Mamede

redonda disse...

Gostei das histórias.
Tenho uma vaga memórias de me terem contado ou lido sobre outras.

Victor Nogueira disse...

Victor
Muito obrigado. São excelentes. Uma ordem: continua a melhorar!!!!
Abração
Henrique
ter 21-07-2009 10:44

Victor Nogueira disse...

VICTOR BOM DIA, DESEJO QUE TE ENCONTRES BEM MELHOR.
OBRIGADA PELAS TUAS HISTÓRIAS, INSPIRARAM-ME PARA ESCREVER A MINHA AUTOBIOGRAFIA PARA A ESCOLA. ESSES CONTOS SÃO TÃO VERDADEIROS QUE TRANSBORDAM DE SENTIMENTOS.
ACEITA UM ABRAÇO CHEIO DE BOAS ENERGIAS.

MADRESITA-------MARIA JOSE


Ter 21-07-2009 07:48