domingo, 2 de setembro de 2007

RTP - Zip-Zip - Uma pedrada no charco

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* Victor Nogueira
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Vi ontem pela primeira vez esse programa novo da RTP que tantos rios de tinta e palavras tem feito correr. "Zip-Zip" tornou se a expressão característica do princípio da semana. Bem, nada de especial achei na sessão de ontem, nada que justifique tanto entusiasmo (até o Mário Castrim) - (1) - gasta os seus tão avaramente guardados adjectivos elogiosos). Dizem me os "fiéis" cá da casa que de facto o de ontem não foi o melhor. E eu fico com pena de não ter visto o da semana passada, com o discurso do [Raúl] Solnado ao seu povo Zip-Zipzeano, mais o O'Neil e a menina Elsinha ou lá como se chama. Bem, o de ontem teve alguns momentos bonzinhos: o das interpretações do Quarteto Musica Novarum, com um sabor de outras épocas, repousante, as do Gino Becchi e a do vendedor de banha da cobra, igual a tantos que encontrei por essas ruas de Lisboa e do Porto! Não gostaria de estar na pele do Espadinha. O Solnado entalou o bem; vamos ver para que lhe dá a genialidade. (MLF - 1969.06.17)
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1 - Crítico de Televisão diário no Diário de Lisboa

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ZIP-ZIP
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Estávamos em Abril de 1969. O Homem ainda não tinha chegado à Lua. Salazar já não estava na cadeira do poder, assumindo-a agora Marcello Caetano. A Censura apertava o cerco à liberdade da televisão. Ramiro Valadão era o novo homem forte a conduzir os destinos da RTP, um braço aliado do poder. Mas apesar da estagnação que se vivia em Portugal, Raúl Solnado, Carlos Cruz e Fialho Gouveia propunham a realização de um programa diário, "de estúdio aberto, porta aberta". Ramiro Valadão foi peremptório, "Era complicado... mas porque não fazer semanalmente?" - Daí a um mês nascia o Zip-Zip!
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Raúl Solnado, Carlos Cruz, Fialho Gouveia
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Juntamente com Baptista Rosa, estas 3 figuras que hoje pertencem já à história da televisão em Portugal estiveram na génese da criação de um programa que iria revolucionar o panorama português não só televisivo como social. Depois de falarem com Ramiro Valadão, que concordou apenas com uma ideia vaga de um programa semanal, Solnado, Cruz e Fialho passaram os dias seguintes a criar um programa que, de início, eles próprios não faziam ideia do que queriam que fosse, senão que tivesse pelo menos o mérito de "agitar" o país.
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Um acontecimento na vida da RTP e do país
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Como os próprios "mentores" do programa o afirmaram, um ano antes o "Zip" não teria sido possível. Mas agora estava-se em plena Primavera Marcelista, e a amplitude de movimentos sempre era um pouco maior. O país, esse, respondeu com entusiasmo a um programa que revolucionou as noites da televisão, o futuro de muitos programas que viriam a ser feitos, a consciência e as atitudes do público e mesmo a relação com os Censores. Alguns tabus caíam, e do primeiro ao último minuto do programa viviam-se tanto alegrias como tristezas.
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As diferenças do que se fazia até aí
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Se virmos com olhos de hoje o "Zip", talvez achemos que não foi tão original como isso. Mas estava-se em 1969, numa RTP habituada à seriedade e numa sociedade que, como diria Eça, se afundava no marasmo. Por isso as diferenças saltaram mais à vista nesse tempo: o público assistia da plateia à gravação do programa, falava-se de assuntos que antes teriam justificado quase interrogatórios policiais, os convidados tanto iam das personalidades mais influentes até às pessoas mais comuns, o humor era fresco e vigoroso e a música punha no ar nomes antes impensáveis.
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Zip de noitadas
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Toda a equipa que punha no ar o programa trabalhava incansavelmente, até porque as dificuldades com a Censura não davam o mínimo descanso. A amizade entre o trio Solnado-Cruz-Fialho era também muito grande, pelo que era difícil haver obstáculos impossíveis de ultrapassar. "Todas as semanas passávamos mais de 48 horas sem dormir e sobrecarregados com trabalho em excesso", relembra Fialho Gouveia. "Aquele programa só podia ser feito com muito entusiasmo", acrescenta Solnado. Um programa feito com paixão no Teatro Villaret, pelas ruas ou pelos cafés de longas noitadas.

O frenesim até ir para o ar
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Durante a semana a correria ia desde os contactos para as entrevistas, a escrita dos textos de humor até à busca incessante de ideias. Aos sábados, no Teatro Villaret, era tudo posto em prática. O público ocupava os seus lugares e assistia à gravação do programa. Depois a gravação era visionada pelos censores, em conjunto com os autores do programa, e seguiam-se horas pela noite dentro para decidir o que podia, devia, tinha ou não de ir para o ar. 2ª-feira os telespectadores da RTP viam o produto final de um trabalho suado mas recompensador.
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Luís Andrade
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A realizar o "Zip" estava uma das figuras mais sólidas e importantes da RTP. Decisiva, desde logo, para o arranque do Zip-Zip. No dia de gravação do primeiro programa, eram já 3 horas da tarde e nem sequer tinha ainda havido ensaio. O público aguardava para entrar e o convidado especialíssimo, Almada Negreiros, já estava no camarim. Alguém terá suspirado com a hipótese de ter de adiar a gravação do programa, mas o realizador foi peremptório: "Vamos fazê-lo. Eu faço de caras.", os operadores de câmaras disseram o mesmo, e toda a restante equipa técnica deu o seu apoio para que se começasse a gravar. No fim do dia a satisfação era febricitante; o primeiro "Zip" tinha sido um sucesso. Só faltava agora o "diálogo" com a censura...
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Maratonas com a Censura
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As noitadas em "negociações" com os censores eram longas e árduas, mas no final, como recordam hoje Solnado, Cruz e Fialho Gouveia, isso servia apenas para dar ainda mais força e ânimo para continuar, pois fazia sentir que se estava a fazer algo de verdadeiramente importante. Mas apesar de inicialmente a permissividade ser generosa, a verdade é que, com as proporções que o programa veio a ter, as coisas se complicaram. De início podia-se "jogar" um bocado: "podem cortar isto mas não aquilo"; mas a pouco e pouco, do censor sempre presente entre o público passou-se a um "estrangulamento" bem maior. Ao fim de 6 meses, o esgotamento, grande parte dele devido à censura, acabava por fazer terminar o "Zip".
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Almada Negreiros
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Foi a melhor estreia que o Zip-Zip podia ter. Pela primeira vez o artista estava na televisão portuguesa, para uma conversa que deixaria os portugueses suspensos. Um homem culto, especial, inteligente e que em poucas palavras dava respostas que faziam eclodir as palmas do público. Lá fora, na rua, muitos dos seus quadros estavam expostos, onde Fialho Gouveia fazia uma reportagem diferente, percorrendo falando com os transeuntes. No estúdio, Almada assistia atento e curioso. Na Feira do Livro que então decorria, esgotaram-se os de Almada Negreiros. Hoje, esse primeiro "Zip" é um legado histórico, de onde seleccionámos algumas das partes mais importantes, que pode ver nos vídeos que aqui lhe facultamos. Aproveite! Valem bem a pena.
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As histórias
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Solnado recorda uma delas: "No Lumiar, entrevistámos uma mulher que vendia coisas e a que achámos piada. A entrevista estava a ser um falhanço total. Até que um de nós perguntou: "O que é que a senhora já vendeu na sua vida?", e ela: "Vendi tudo, menos pomada para chatos!". Gargalhada geral. O pior veio depois. A Censura não permitiu que a palavra "chatos" fosse para o ar...
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O "Zip" desce à rua
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A criatividade da equipa que fazia um programa inovador e revolucionário não parava. Luís Andrade conseguia sempre dar respostas criativas aos problemas que surgiam com a execução para televisão de várias ideias, como, por exemplo, a transmissão de um jogo de futebol... de matraquilhos! Produção mais grandiosa foi a entrevista ao maior poeta português... esse mesmo, Luís Vaz de Camões... ou melhor, à estátua dele! Pelas avenidas, entre as bandas de música, na praça de touros... o "Zip" saía do Teatro Villaret, e em vez de esperar que as pessoas fossem ter com ele, ele foi desde o início ter com as pessoas.
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Uma imensa felicidade
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As palavras de Raúl Solnado quando já o "Zip-Zip" não estava no ar, respondendo sobre o acontecimento mais marcante da década de 60, são elucidativas do que toda a equipa viveu: "Suponho que todos vamos dizer o mesmo: a conquista da Lua. Depois disso, o movimento hippie, e... o Zip-Zip. Desculpem-me as pessoas, mas para mim foi uma experiência extraordinária, que me enriqueceu muito, sob o ponto de vista humano e profissional"; acrescentando ainda: "Durante 7 meses vivi completamente feliz - isso equivale a muitos anos de vida".
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O «canto de intervenção» no combate ao Estado Novo
Formato do ficheiro: PDF/Adobe Acrobat - Ver em HTML«Zip-Zip», apresentado por Fialho Gouveia, Raul Solnado e Carlos Cruz, ... A partir do «Zip-Zip», surge um maior interesse das editoras pela música de ...

2 comentários:

De Amor e de Terra disse...

Oviamente também era espectadora do Zip-zip e também me encantava com isso...
Nessa altura, tudo era tão nublado lá em casa, que nunca entendi muito bem porque acabou...
ficou pelo menos "a pulga atrás da orelha" o que mais tarde deu origem à minha vontade de saber de certas coisas proíbidas!

Maria Mamede

Anónimo disse...

Ola!! Lembra-se de ver os "Musica Novarum"? Eu sou a loira que cantava chamada DAPHNE. A Judy que cantava comigo ainda continua a ser a minha melhor amiga desde os meus 15 anos!!

Esses tempos foram fabulosos!! O Raul Solnado era muito querido!! E bom reviver o passado as vezes....
Daphne xx