terça-feira, 4 de setembro de 2007

Leituras: outras notas

* Victor Nogueira
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Comprei hoje um livro muito interessante - ou não fosse satírico - e que tem levantado uma grande celeuma, originando um discurso do Casal Ribeiro, na Assembleia Nacional; este senhor é salazarista ferrenho e de boa memória, venerador e obrigado, e o livro é um gozo pegado sobre o Governo de Salazar. O livro "Dinossauro Excelentíssimo". O autor - José Cardoso Pires
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Comprei também "Novelas do Deccameron", selecção de novelas dum escritor italiano medieval - Boccacio - de quem já lera uma outra antologia - "Histórias Eróticas" (Editorial Inova). Do ponto de vista estilístico gostei mais do primeiro (como a das "Crónicas" do Fernão Lopes). Mas o último tem novelas não contidas no outro e simplesmente deliciosas! Pena terem adaptado a linguagem medieval à dos nossos dias. (MCG - 1973.01.22)
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Ando a ler um "Livro Vermelho dos Cábulas" e farto me de rir. (MCG - 1973.03.28)
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Que dizes a esta poesia ("Impossível") cheirando a fins do séc.XIX? Parece me que o Cesário Verde, pelos outros poemas, consegue retratar fielmente o ambiente da burguesia do seu tempo - que Eça de Queiroz retratou também, admiravelmente, nos seus romances. Mas Eça era satírico, mantinha se alheado daquilo que escrevia. Enquanto que o Cesário parece viver aquilo, não só o ridículo, o mau gosto (a meus olhos) duma certa maneira de sentir e de agir. Para além disto, as pessoas miseráveis, a cidade, o povo, aparecem e perpassam pelos seus versos, muitas vezes contrapostos aos delíquios e aos sentimentos da pequena (e abominável, ridícula) pequena burguesia - que aspira a ser aquilo que não é, a uma grandeza que não tem e para que não foi talhada, porque apenas vivendo de exterioridades e aparências, sem uma vivência autêntica. (MCG - 1973.06.28 B)
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Nós podemos viver alegremente...

(Hamen)

Leite-creme

Nós podemos viver alegremente,
Sem que venham, com fórmulas legais,
Unir as nossas mãos eternamente,
As mãos sacerdotais.

Eu posso ver os ombros teus desnudos,
Palpá-los, contemplar-lhes a brancura,
E até beijar teus olhos tão ramudos,
Cor de azeitona escura.

Eu posso, se quizer, cheio de manha,
Sondar, quando vestida, p'ra dar fé,
A tua camisinha de bretanha,
Ornada de crochet.

Posso sentir-te em fogo, escandecida,
De faces cor-de-rosa e vermelhão,
Junto a mim, com langor, entredormida,
Nas noites de Verão.

Eu posso, com valor que nada teme,
Contigo preparar lautos festins,
E ajudar-te a fazer o leite creme,
E os mélicos pudins.

(Cesário Verde) "Impossível", OLivro de Cesário Verde

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in http://aguarelast.blogspot.com/2007_01_01_archive.html

1 comentário:

De Amor e de Terra disse...

Quanto a mim, Cesário Verde, sabendo-se condenado pela doença, mesmo antes de a saber sem remédio, tinha essa necessidade mórbida de experimentar, de conhecer tocando e sentindo (provando), mesmo que isso lhe fosse motivo de crítica, porque a mordacidade que muita vez exibia, também era fruto da certeza de sua partida iminente.
Às vezes a raiva que nos consome, faz-nos ser tão críticos e tão amargos, que nos dá prazer fazer sofrer os outros...
somos assim!...

Bj

Maria Mamede