quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Sedução - O prelúdio do na minha casa ou na tua...

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* Maria Ramos Silva
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Homens, mulheres e códigos. A sedução é uma complexa regra de três simples. Uma antropóloga estudou-a dois anos na Lisboa à noite. Saímos à rua para a prova dos nove.
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Não sei quem eles são. Parecem bons rapazes, um pouco tímidos até. Ele, negoceia as rosas a quem lhe impinge flores em forma de ramo. Arremata três, a conta que Deus terá feito. Ela, arrecada a oferta com um sorriso de orelha a orelha. Em redor da mesa, o cálculo faz-se a dois. Duas pessoas e dois copos de cerveja. Moderados no consumo, desbocados na conversa e na urgência de saber mais. Não esbanjam bebida, delapidam charme. Aqui, o piropo empoleirado no andaime não tem obra feita. Reina o bom-gosto. Com muito gosto. Relação recente, arrisco.
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O espaço para dançar é exíguo neste ponto lisboeta do Bairro Alto onde as mesas recatadas chamam pelos que entrelaçam mãos e abraços, que chegam mais cedo que os outros e saem antes que o barulho das luzes cegue a razão. As regras da sedução desfilam à nossa frente. Parece fácil e infalível. Mais fácil seria se tivessem precisão geográfica. Não têm. Não há bússola que o valha e nem sempre é fácil descobrir o Norte. Há coordenadas que têm barbas. E algumas novidades. Novos sinais, ou um sinal dos tempos. Durante dois anos, a antropóloga Guadalupe Lamy entrou no circuito da sedução e percorreu quatro pontos geográficos da noite lisboeta. Observou. Participou. Seduziu. Deixou-se seduzir. Saquearam-lhe um beijo sem pedir licença e serviram-lhe propostas indecentes de bandeja. Escutou as ilusões e desilusões de 120 pessoas, 60 homens e 60 mulheres, dos 18 aos 65 anos. Divorciadas, homens casados sozinhos na noite, jovens, muito jovens, quarentões e cinquentões, casais, solitários em busca do amor.
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“Decidi-me por quatro zonas, um bar/discoteca em cada. Achei interessante estudar os comportamentos erótico-amorosos heterossexuais a nível micro, onde pudesse condensar bastantes pessoas e observar o seu comportamento. A noite era o local ideal, porque há, à partida, predisposição para isso”, explica Guadalupe.
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PORQUE SEDUZIMOS
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Porque seduzimos e somos seduzidos? Porque arremessamos e agarramos olhares e sorrisos? Porque replicamos ou engarrafamos o processo com a dita tampa? Porque caprichamos na dose de perfume, medimos as proporções da roupa ou praticamos a fala do corpo com a voracidade de quem treina uma língua estrangeira? “Há motivações ligadas ao percurso de cada um. A maior delas é fugir à rotina. Também há a solidão e a necessidade de expandir o ego, de nos sentirmos valorizados. Há quem venha afogar as mágoas e quem se queixe do desinvestimento erótico do parceiro(a)”. A sedução está por todo o lado, menos ubíqua que uma cadeia de hipermercados, mas suficientemente presente. “A noite não é só sedução, é uma festa, há convívio deserotizado. É o conjunto da indústria da noite que fomenta a sedução”.
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No Bairro Alto, a ‘pose blasée’ dos convivas sai menos beliscada do que em outras latitudes. Mas não pense que um aliciamento com ‘cubanitos’ ou uma abordagem inesperada em plena calçada portuguesa, onde se espraiam as pernas despidas pelo calor do estio, são imunes a desfechos clássicos alinhavados em dois tempos: “Na minha casa, ou na tua?”. Os brasileiros têm rótulo próprio: ‘ficar’. Os portugueses não ficam, vão, para a ‘curte’, corolário de um jogo bem conseguido até ao lavar dos cestos nocturnos. Segundo Guadalupe, em 30 a 40% dos casos há correspondência na sedução. “Elas procuram mais envolvimento afectivo. Algumas pessoas relataram-me que conseguem estar há vários meses ou anos com pessoas que conheceram na noite. Dizem que não se conhecem as pessoas verdadeiramente, mas falam muito do mistério associado. Como se comportarão? Como a irei seduzir? O que se vai passar a seguir?. Também ouvi histórias de desilusão, de arrependimento. É o prazer fugaz do momento. Aconteceu e acontecerá”.
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As perguntas alimentam a curiosidade, e esta só descansa quando mata a fome com as respostas. Procuramo-las em outra freguesia, em outra geografia, num enclave de outras tribos urbanas, também elas emergentes na vida nocturna, que assistiu à democratização dos comportamentos, ao sabor da litoralização, dos videoclips, das telenovelas, do cravo e da canela de uma certa Gabriela, da massificação do consumo.
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Massas de gente é o que nos engole agora num dos muitos poisos das Docas de Alcântara. Bailarinas suam as estopinhas para entreter a multidão. Os tops e saias fogem à polícia. As costas descobertas passeiam generosas tatuagens. Ali vai um escorpião que desperta a libido e a picada de quem dança nas imediações. Gravatas abandonam o pescoço e ajeitam-se em redor da cabeça, qual acessório de ‘Rambo’. Um encosto solitário ao balcão, ponto de ‘controlo’ privilegiado, vale companhia em tempo recorde. Basta fazer o teste... As obrigações ficam lá fora. A responsabilidade numa sexta-feira à noite é uma só: dançar até que o corpo nos doa. “Faço a distinção entre estrutura familiar, de trabalho e de estudo, um ambiente de regras e obediência, e o ambiente nocturno, menos estruturado, onde há mais espaço para a sedução. É o espaço da magia da noite”.
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No Carnaval dos serões, os disfarces lideram o corso da sedução, onde as almas ora se escondem, ora se revelam. “As pessoas vestem outra pele. Tiram ou põem a máscara. Dizem-me: “Agora é que sou eu mesma”, ou então, “agora vou ser outra pessoa”. As pessoas vendem a sua imagem na noite, há uma estratégia de marketing e jogos de competição, com a exibição generalizada para toda a gente e com as palavras que se seguem”.
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HÁ QUEM GOSTE DE QUEIMAR ETAPAS
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Se é que se seguem, porque há quem goste de queimar etapas. Na maioria dos casos, os mais ‘despachados’ deitam tudo a perder com uma pressa que é inimiga da perfeição. “Ambos os comportamentos têm um escalonamento, que começa nos olhares (mais fixo nos homens, ou olhar de soslaio, em ambos os sexos, ou piscar de olhos, também em ambos), no sorriso (as mulheres sorriem muito), depois a aproximação e o encetar da conversa. Mas há pessoas que entram logo a matar e saltam etapas! Isso para elas é arrasador, tal como os piropos concupiscentes”.
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Então e a história da química? A existir, parece que nem sempre tem final feliz. “Perguntei a muitos homens sobre a questão da química e disseram-me: “Se estou num ambiente a olhar para cinco ou seis mulheres, vou com a primeira que responde ao jogo”. Alguém falou em química?... “Preferem fixar-se em alguém, porque é melhor que olhar para vinte e não dar em nada. Também há quem fique três horas a olhar sem se cansar, com medo das ‘negas’”.
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A próxima investida não se faz esperar. Passa algures por Belém, onde parte da faixa etária dominante tem memória do tempo das matinés. O romantismo na sedução, acolitada por um saudoso slow, perdeu andamento. Nada que a música mexida de hoje não se encarregue de colmatar. Os decibéis agigantados convidam a danças isoladas. Mas a meio da noite, já os corpos conhecidos ou desconhecidos se colaram. (Não) está tudo perdido para a fauna de colarinhos engravatados que encostam ao balcão a expectativa de seduzir raparigas novas. “Preferem as mais jovens, mas para muitos tudo o que vem à rede é peixe! Homens mais velhos entram no jogo de dar uma gratificação pecuniária à barmaid, têm cumplicidade com ela. Aprumam-se. Os homens na casa dos 40/50 criticam a actual desinibição feminina mas aproveitam-se dela. E as mulheres solteiras na casa dos 40 dizem que no tempo delas não tinham tanta liberdade para sair. Ou então, casaram cedo e as divorciadas só agora têm esta liberdade que a vida de casada não dava. Muitas casadas ficam-se pelos olhares. Outras estão na onda do ‘swing’.
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O que também muda é o perfil dos serões. Durante a semana, as velas alumiam as mesas preenchidas por pares sofisticados na casa dos trinta. O ambiente é seleccionado, tal como canal de televisão, cirurgicamente cristalizado nos desfiles de moda. E tudo parece diferente da enchente de ‘habitués’ que por lá passeia as aspirações no final de uma semana de trabalho.
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Para os lados da Rocha Conde d’Óbidos a noite é das senhoras. E dos umbigos descobertos. E dos saltos agulha de parar o trânsito. É deles também, claro. Dos que se enfileiram à porta de entrada sem medo que a espera esfrie o entusiasmo. A pista abre-se à dança. O bar abre-se para elas. O cerco masculino, ainda distante, em fase de estudo, vai tirando medidas, quais meninos à volta das fogueiras que vão ardendo na pista de dança. Os excessos antevêem-se etílicos - e não só.
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Na noite onde todos os gatos são pardos, as ‘gatas’ não fazem por menos. O telemóvel é mini em espessura para caber no bolso acanhado das calças, sempre à mão dos muitos contactos que se vão fazendo. Sob um lance de escadas, os olhares deslocam-se para quem sobe, na esperança que as micro-saias revelem novos mundos ao Mundo. Tantas vezes o cântaro vai à fonte que a curiosidade acaba por ser satisfeita. Quantos degraus cabem no processo de sedução?. “Não há receita, mas se começarem pelo lúdico, tudo é possível Não se sabe o que cada um prefere, mas por norma, quem é mais jovem e desinibido tem mais chances”. Em último recurso, tente uma boa dose de descontracção e estupidez natural. Não tem nada que saber.
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AVISO À NAVEGAÇÃO
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O primeiro beijo pode determinar o futuro da relação. Pelo menos é o que indica uma pesquisa recente da Universidade de Nova Iorque sobre o acto de beijar, um dos condimentos da sedução. O estudo analisou as percepções de 1041 pessoas. 59% dos homens e 66% das mulheres disseram já ter descoberto, após o primeiro beijo, deixarem de estar interessados nessa pessoa. O estudo revela ainda que elas dão mais importância aos beijos do que eles.
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CONTEXTO SOCIAL DETERMINANTE
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Segundo Guadalupe, as relações de dominação e subordinação entre homem/mulher mantém-se mas o contexto social evoluiu, e com ele os códigos de sedução. Casamento tardio, decréscimo da nupcialidade, aumento do divórcio, ausência de filhos, são dados que mexeram com a ordem dos factores. As passagens ao acto ainda são mais masculinas, mas os papéis estão menos definidos, sobretudo nos grupos mais juvenis”.
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O QUE ELES E ELAS PROCURAM
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O objectivo pode ser mais ou menos imediato. Apesar de ser impossível generalizar, a principal conclusão é consensual: há diferença entre géneros.
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HOMENS
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Segundo um estudo da Universidade de Indiana, nos E.U.A., publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, eles procuram, sobretudo, beleza. O grau de atractividade é assim determinante na eleição de potenciais parceiras. O beijo, por exemplo, é uma ‘ferramenta’ para aumentar a possibilidade de envolvimento numa relação sexual.
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MULHERES
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No mesmo estudo, que analisou o comportamento de 46 pessoas que participaram de uma reunião de um serviço de encontros rápidos, conhecido como “speed-dating”, foi extraída a conclusão de que as mulheres se deixam seduzir pelo factor ‘riqueza’ ao avaliarem os possíveis parceiros. A garantia de segurança financeira é importante para a ala feminina. .
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PERFIL
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Guadalupe Lamy, 42 anos, é doutorada em antropologia sócio-cultural e investigadora do Centro de Estudos de Migrações e Minorias Étnicas, onde realiza actualmente o pós-doutoramento sobre sexualidade e sida em contexto multicultural.
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in Correio da Manhã 2007.09.16
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Foto - Bruno Colaço (Olhar, sorrir, aproximar e encetar conversa. É o chamado método clássico-moderno)

1 comentário:

De Amor e de Terra disse...

Muito interessante, muito mesmo!
Mas,para além dos outros factores, uma coisa vem à tona...essa de que sempre falo:-Solidão!
Hoje, as pessoas são muito sós (dos outros) e têm medo de estar sós consigo próprias; então rodeiam-se de tudo aquilo que momentâneamente as não deixe ver a realidade.

Bj

Maria Mamede