segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Sobre a classe média


Fala Ferreira

Assim me saúdam os amigos de Guatemala.




Sobre a classe média

É evidente quem, hoje, quem lidera a luta das classes trabalhadoras são os jovens. Devemos ser ainda mais precisos. 1) São jovens que investiram num percurso escolar para assegurar um lugar mais confortável no mercado de trabalho. 2) Esse lugar ao sol é, no contexto de Portugal – e, de certa forma, no contexto do séc. XX – um emprego no Estado: médicos, professores, advogados, etc. 3) São filhos de operários e trabalhadores da classe média. É esse aspeto que os faz liderar os protestos; arrastam consigo pais e avós para a rua (título da capa do Público de 13-3-2011). Analisei isto detalhadamente aqui.
Daqui resulta a inevitabilidade que compreender as determinantes sociais desta ‘classe média’ ligada ao Estado. Há muito que venho discutindo com o João Vilela a necessidade de rever o que os Clássicos têm a dizer sobre isto e atualizá-los.
a) Termino de ler “O Estado e a revolução” de Lénin. , Lénin, acusa os “oportunistas” (Kautsky) e os mancheviques de cederem ao canto da sereia do sufrágio universal. Se no Imperialismo o revisionismo tinha a sua origem social nos “lugar-tenentes” da classe operária, no Estado e a revolução se insinua que essa base são os funcionários de Estado. Assim que toda a polémica de Lénin contra Kautsky se torna o ponto de partida desta discussão.
b) É necessário, no entanto, lembrar que há duas conceções de Estado no marxismo. Uma ‘restrita’, como instrumento de opressão de uma classe sobre a outra (no Manifesto); outra ‘ampliada’, enquanto resumo da sociedade civil (em Miséria da Filosofia, por exemplo). Assim, de acordo com a primeira definição, o Estado é um tripé: burocracia, polícia e exército. De modo que a origem social do revisionismo está nos empregos neste tripé do Estado. Se tomarmos a outra definição, e lembramos todo o Estado de Bem-Estar, a coisa complica-se.
Esta oposição entre a definição restrita e ampliada do Estado é fundamental por duas razões. Primeiro porque, segundo Lénin, o desaparecimento das bases materiais do revisionismo é uma etapa essencial do processo revolucionário. Assim, ele – partindo da conceção restrita do Estado – propõe um Estado mínimo: a supressão do exército; a substituição da polícia pelo povo em armas; e a redução do salário do burocrata para o salário médio dos operários. Mas quando escreveu isso, ele supunha que as crises do capitalismo, por si, vinham já reduzindo o Estado ‘ampliado’ ao Estado ‘restrito’. Se existem analogias possíveis com a crise atual; mas a bandeira da saúde e educação pública e gratuita continua – e acertadamente – de pé.
c) Se a Revolução Russa confirmou a justeza da análise de Lénin, a ascensão do fascismo alemão provou que algo estava a mudar da composição do Estado. Pelo menos essa é a análise de Trotsky. Gramsci coloca esse pondo de viragem, para a Europa Ocidental, ainda mais cedo: em 1870, com o surgimento das grandes corporações económicas. Se foi possível a Revolução na Rússia, foi apenas porque lá não havia ainda lugar para “lugar-tenentes”. De qualquer modo, o papel da classe média na ascensão do nazismo e do fascismo (sem ficar reduzido aos textos de Trotsky) e o conceito gramsciano de fordismo devem ser estudados.
d) O passo seguinte é analisar a formulação de Álvaro Cunhal em torno da “democracia ampliada”. Por duas razões. Primeiro, porque dá um lugar claro à ‘classe média’ na Revolução dos Cravos. Falava-se então de povo-MFA; e, por outro lado, o PCP escolheu o PS como seu principal aliado. (Naquela altura, a base do PS era efetivamente os funcionários de Estado e outros profissionais liberais – p. ex., advogados – muito dependentes do Estado. Logo em seguida se aliaria à burguesia num projeto de construção duma Europa capitalista e imperialista). Segundo, o PCP ainda mantém a ideia de ‘democracia ampliada’ como parte da sua estratégia.
É preciso sublinhar que Cunhal, como Lénin, escreve a sua tese num momento preciso. Não só o Estado estava em ampliação (maior conquista da Revolução dos Cravos), como a geopolítica está marcada pelo clima de Guerra Fria. O 25 de abril de 1974 é apenas alguns meses depois do 11 de setembro de 1973. Ao mesmo tempo, Cunhal era herdeiro das contradições da URSS e o Discurso “secreto” de Krushchev marca a sua obra – basta comparar com O partido com paredes de vidro. Assim, a solução, à primeira vista, parece próxima do Eurocomunismo. De um lado, aceita o reformismo como único caminho viável para a transformação do Estado. Do outro, não o coloca no lugar da Revolução, senão como fase intermédia – isto é, posterga a Revolução Socialista até melhores dias. É neste contexto que deve ser entendido o papel dado por Cunhal à classe média na Revolução dos Cravos.
e) Há uma continuidade entre a realidade de 1917 ou de 1975 e a realidade de hoje. Portanto, datar as obras de Lénin e Cunhal não é desqualificá-las. A sua atualização têm que reproduzir a continuidade real da evolução do Estado e da classe média entre o momento pensado por esses marxistas e os dias de hoje. Isto nos ajudará a pensar como estar junto dos Indignados.

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  1. Não sou um teórico e tendo estudado já não sou capaz de citar as fontes do meu pensamento.
    Mas para começar há, parece-me, uma imprecisão. Não há “classes médias” mas sim camadas intermédias [/estratos intermédios] que não estão directamente ligadas ao processo produtivo, mas que se situam na área da prestação de serviços, pelo aparelho de estado ou pelo sector privado. E algumas delas ligadas à reprodução – consciente ou não – da ideologia da classe dominante. Exemplos disto são os professores e os jornalistas. Da ideologia que serve à ou a classe dominante, esta tb com interesses ocasionalmente divergentes
    “Camadas intermédias” que oscilam entre a manutenção ou alteração mais ou menos radical da sociedade, isto é, da sua (des)organização.
    Mas o radicalismo deste estrato social é conjuntural, tal como o radicalismo estudantil / juvenil, neste último caso, pk o ser jovem ou estudante formal é transitório. A opção vem a seguir.
    Sendo assim, é “natural” que nos meios de comunicação de massa se dê grande relevo a manifestações espontâneas, inorgânicas. E se silenciem as outras, quotidianas, sem aparato, de que a imprensa não vinculada à burguesia dá notícia (Avante, p.ex.) Não significa isto um menosprezo pelas “grandes manifestações” aparentemente radicais e contra o sistema. Mas se estas podem ser importantes, as outras são, parece-me, as que permitem o salto qualitativo. Pk têm continuidade. E Pacheco Pereira que é lúcido, dá disso conta num dos seus artigos que, aliás, tb realçaste
    Quem nunca trabalhou, quem está ligado à prestação de serviços, não terá a priori a mesma consciência social de quem está numa linha de montagem. pese embora a dispensa de mão de obra na linha de montagem – na fábrica, ou na mina – proporcionadas pela automatização/informatização.
    Limitada embora, valendo o pouco que vale, a minha experiência profissional como gestor de recursos humanos  [e como inquiridor ou analista de inquéritos sociais] diz-me que perante a possibilidade de opção, os jovens, estudantes ou não, tenham ou não já trabalhado, ao trabalho na rua preferem o “trabalho debaixo de telha” e ao trabalho na oficina o trabalho no escritório.. Tal como muitos arquitectos e engenheiros portugueses são-no de escritório e não de fato macaco e capacete protector. Ou como os médicos outrora nos hospitais usavam o estetoscópio ao pescoço para se distinguirem do pessoal de enfermagem.
    Quanto à base social do PS/Mário Soares em 1974/76. Não tenho estudos, apenas “impressões”. A seguir ao 25 de Abril o então PPD era praticamente desconhecido fora dos grandes centros urbanos – eram os da ala liberal da assembleia nacional de marcelo caetano, e os tecnocratas católicos da SEDES, na altura apresentada como o embrião dum futuro partido socialista, a que mário soares com êxito se opôs, ao ter marcado terreno com a fundação do PS na RF Alemã em 1973. Nesses idos de 1974 / 1976 o PS foi o chapéu de chuva debaixo do qual se acolheram parte dos caciques locais da ANP marcelista e, no Alentejo muitos agrários, seareiros e pequenos agricultores, que se opunham à Reforma Agrária.
    Dirás que muito do que escrevo é empírico e que espelha uma realidade limitada. Talvez !

    Como há dias te disse que a destruição das grandes unidades industriais, com forte concentração operária, terá sido uma inteligente medida do PS Soares ligado a social-democracia europeia, Com as indemnizações, toraram–se pequenos comerciantes e prestadores de serviços ou biscateiros, muitos com outra consciência social – não poucos pensando [ /querendo o ] pcp como o partido de todos, interclassista. Tal como Sá Carneiro e Soares tentaram contra as Unidades Colectivas de Produção ao tentarem substitui-las por pequenas empresas agrícolas.

    Comentário por Victor Nogueira | 22 de Outubro de 2012 | Comentar

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