sábado, 15 de dezembro de 2007

João Baptista Cansado da Guerra (7)

* Victor Nogueira
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SOLILOQUIO ENTRE JOÃO BAPTISTA CANSADO DA GUERRA E A

PRINCESA COM SABOR A CRAVO E CANELA

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No silêncio da madrugada penso em ti, Princesa, e é como te digo - como sempre hoje estavas tão bela e apetitosa nesse teu jeito simples de fêmea seduzindo o macho que em pensamento trauteio o verso duma cantiga que talvez não exista com música de guitarra toca baixinho fica comigo esta noite e, continuaria eu se fosse caso disso, os dias e noites seguintes até ao do juízo final, que por vezes vem mais cedo que o suposto ou desejado! Rio-me, Princesa, de mim mesmo e se fosse defronte da Maria dos Mil-Sóis Rendilhados teria de explicar o meu sorriso mesmo se ao de leve, e ouvir um discurso de quem parece levar a vida tão a sério, tão a sério, que nem repara que por vezes também gosta de brincar com os outros. Mas nas minhas histórias nunca foste Maria e muito menos das Mil-Vidas Retraídas pelo que posso rir-me à vontade e é também por isso que de ti gosto. Porque, Princesa, nisto tudo de gestos, palavras, atitudes, fábulas e enredos é necessário ter a chave e o código apropriados, para além das aparências. Se não vejamos - os mesmos gestos, as mesmas palavras, as mesmas atitudes podem ter significados completamente diferentes originando histórias completamente distintas conforme sejam por exemplo campo aberto ou cidade encerrada e amuralhada, conforme gostemos do mesmo modo um do outro, respeitando a liberdade, a independência e a igualdade, tendo a simplicidade pouco natural embora de reconhecê-lo ou prefiramos brincar ao gato e ao rato, conforme nos consideremos iguais pesar das diferenças que nos aproximam umas e nos afastam outras, ou nos coloquemos em nossos mundos, por detrás das respectivas viseiras, dedilhando os machos e as fêmeas como o felino e o roedor atrás referidos.

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E deste modo falou João Bimbelo enquanto acaricia­va o rosto e os cabelos da Joana Ratinho, inebriado pelo seu perfume, e lhe dizia é natural que fales comigo e nem sempre te preste a devi­da atenção porque penso também em mim e nesta casa vazia que a tua presença enche e alegra e me coloco na conversa em vez de colocar‑me em ti, salvo seja, embora não me importasse e fosse agradável vir desse modo no sobe e desce até ao fim do mundo Mas não nos metamos por atalhos porque ainda alguém pode levar uma chapada, pesem as opiniões da Chicolateira, e fique João para aqui sozinho a fa­lar com as paredes por aperceber-se Joana do caldo a entornar e das pupilas muito abertas e dos olhos de carneiro mal morto, como nos bailes de mãezinha sentada na cadeira ao redor da sala. E “ospois” pergunto-me e a ti Joana, pois antão, satisfeita a curiosidadezinha depois da primeira visita? Então prossigamos e codifiquemos os nomes porque não conheço os personagens. É vero que ainda não alcancei contigo a serenidade e o desprendimento da amizade porque se enreda­ram o meu ânimo e a tua sedução (até nem fez verso, rirás tu com o meu acompanhamento) e por isso qual o sentido de me dizeres que ontem estiveste com o Canecas e amanhã com o Fanecas e que não dormiste com o Janecas embora vontade e tenção não lhe faltem vai para muitos anos? Ora, Princesa, dizes por dizer ou porque tens de pensar para contigo em voz alta preocupada com os pedestais com outrém escutando ou que­res música e troco com muitos cinco tostões?! E quando dizes imedia­tamente que sim e logo que não, isto é por seres mulher impulsiva mas de cautelas e perplexidades que refreiam para não te comprometeres nem prender e dar ponto sem nó, ou porque és fêmea de puxar o elástico para subir a parada?!

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Ah! Joana, Joana, clamou João Baptista, quantos enredos pois as palavras são também máscaras e labirintos que tornam o (re)nascente amor e por vezes a amizade muito mais complicados que ornitorrinco e oto-rinolaringologista, como João Bimbelo escribou uma vez a uma que dava pelo nome de Maria Papoila que não era Marijuana mas sim Maria-Vai-Com-As-Outras!

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E pronto, disse o narrador de historietas, com isto tudo já lá vão quatro personagens principais, a saber, Joana Ratinho, também conhecida por Joana Rapozinho, Princesa Com Sabor a Cravo e Canela e, da outra banda, João Bimbelo e João Baptista Cansado-da-Guerra, sem que se saiba bem o que vai nascer e o que vai vencer. E neste ponto o leitor dirá com licença, senhor licenciado, mas eu tenho cinco dedos apontados pelo que os personagens não são quatro e o contador de historias dirá tem calma pois as cadelas apressadas parem cães cegos e não ha pior cego do que o que não quer ver por isso em terra de cegos quem tem um olho é rei embora vivamos na República do Capital.

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Pronto, pronto, dirá o escriba, no areal à beira-mar cintilante, não te zangues Joana, eu já desatalho e retomo o fio à meada e digo há outros personagens secundários e adventícios a talhe de foice como a Maria dos Mil-Sóis Rendilhados, a Maria das Mil-Vidas Retraídas, a Maria Papoila e a Maria-Vai-Com-As-Outras e já temos quase duas mãos, uma cheia de nada, outra de coisa nenhuma! Ena, tanta gente, Mariana, e Joao Baptista dirá é tal e qual como o viageiro conta e lá vai mais um personagem para a molhada, acrescentará o leitor aturdido com tanto paleio pelo que João Bimbelo olhará para a folha de papel e dirá safa tens razão tanto palavrea­do e tornará a ler tudo à luz da candeia das estrelas ou do sol, desde o principio, vantagens das escribaduras, que se pode voltar sempre atrás ou começar de novo, o que não sucede na vida ou com as oraladuras, passe este nome arrevezado, que muita coisa fica por expressar ou dizer como quando a Princesa se vai embora com a conversa quase sempre a meio que isto das faladuras é como as cerejas, atrás dumas outras vêm e com o tempo também é o mesmo e também com os banhos na água dizia Heraclito, por isso o tempo não volta para trás por muito que se esfalfe o cantor das donas de casa à volta de tachos e panelas quando não do leiteiro ou do padeiro. Safa, que este gajo quando abre o gás até parece que nunca andou pela auto-estrada, sempre direito, escouceara o agora (im)paciente leitor.

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0K! 0K! isto para tudo e preciso paciência e arte e ficam só dois personagens em campo, O-Que-Vai-Nascer e O-Que-Vai-Vencer (e com ele está IHVH), e bom seria Princesa que estivessem ambos na mesma banda para que nenhum ficasse a leste do Paraíso e deste modo nenhum tivesse de nascer ou vencer à custa do outro! Pois não há liberdade sem independência e sem igualdade e também o amor, ternura e amizade não andam de rastos nem pedem esmola mas isto, dirá João, e para outro tempo e outra história. E pronto, dirá o escriba de serviço, ainda não foi desta que João disse fica Joana comigo esta noite e tracemos em nossos corpos o mapa e o perfil do sabor a cravo e canela!

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BRRRRRROC~TTTTTTTJUMMM! CATRAPAZ! PUM! PUM! são todos iguais, dirá a Princesa, mas contigo, João, posso eu bem! São todos iguais, não podem ver com sua licença uma burra de saias ainda mais se ela for atraente, pelo que o narrador se recolheu em seu silêncio pois não é João que fala em fêmeas e machos e ainda menos em mulas que não entram em seus enredos, por isso devendo haver por aí qualquer ponto mal alinhavado. Em consequência Joao Baptista limitou-se a oscular levemente a suave e doce face morena da Joana Ratinho que retribuiu com seu jeito de Maria Que-Não-Chora, para descanso de uns e desassossego de outros.

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E assim, amigo leitor, esteja atento e não perca os próximos episódios da escribadura deste louco folhetim AUF WIEDERSEHEN, PRINZESSIN ou OLÁ, JOANA, QUE TÃO BELA ÉS! Ah! Ah!Ah! Ih! Ih! Ih! (*)

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1989.07.30/31

SETUBAL

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(*) Queriam choro e ranger de dentes, com muito sangue, suor e lágrimas, queriam!? Isso é que seria bom, pensaria talvez a Princesa do Meio Caminho Andado, cujo mistério em breve será desvendado

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