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SOLILÓQUIO EM TORNO DE SEBASTIANA BALDE DE ÁGUA FRIA, PRINCESA DOS MUITOS,
CÁLIDOS E ÁSPEROS NOMES, EM TEMPO DE XUTOS E PEDRADAS.
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E o narrador chegou à boca do palco e disse:
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João Bimbelo vivia na Quinta de Todos Nós envolto num sossego cinzento e morno quando Sebastiana Lua Nova lhe entrou pela casa dentro com o seu jeito esvoaçante e cintilante; não era João águia ou gaivota, mas sim pregoeiro ou contador de histórias, vogando pelas sete partidas do mundo numa barca mal aparelhada e dele apenas se podia dizer que era o sol e o mar em busca da brisa suave e refrescante ou da verde planura na cidade dos homens.
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Quando Sebastiana Mil Sóis repousava em João Bimbelo era como se um rio enchesse a sua casa com o murmúrio de mil candeias, semeando o ar de cor e alegria. Mas demasiadas vezes o ar deixou de ser belo e calmo e o mar verde e sereno, demasiadas vezes a brisa se transformou em vendaval para além do qual não se vislumbrava qualquer mar de calmaria, por mais sedutora, cariciante e alegre que fossem a voz e o jeito da Princesa, mulher-menina em fugas constantes em torno do redondel, mulher-achada de mil promessas em flor fugidas!
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E no entanto eram doces e macios a pele e os lábios de Sebastiana Verde Sol, brilhantes de mil promessas os olhos da cor do trigo em flor, um campo de giestas com sabor a cravo e canela a ondulante nau onde vogava a Princesa que encantara João Bimbelo, que sem nada de ratão ou gatarrão se tornou novelo enleado com fraca rede na roca de Sebastíana Raio de Sol,
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Nesta altura Sebastiana Mil Sóis soltará uma das suas deliciosas gargalhadas com sabor a menina dizendo com agridoce sorriso “Não há meio, João, de ganhares juízo, de me tirares do pedestal em que me colocaste. Pois as princesas morreram há muito; as que existem em teu pensar não são raposas nem raposinhas e o derradeiro dos príncipes há muito que faz tijolo e não há manhãs de nevoeiro ou dias de sol que o façam renascer, mesmo que me agrade o que escreves e dizes de mim com tal gentileza, encanto e sinceridade"
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E com duas palavras, um sorriso (trocista?) por detrás dos óculos escuros., um jeito de encolher os ombros de quem olha para outro lado com a pressa e enfado de viver depressa, derrubará Sebastiana Mandrágora o xadrez calculadamente encenado por João Baptista Cansado da Guerra ou o improviso repentinamente suspenso no vazio!
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Coitado do João Bimbelo, dirá talvez o espectador parafraseando Pessoa, coitado do João Baptista que um dia se agradara duma certa Sebastiana Verde Sol, Princesa de muitos e cálidos nomes. E neste ponto do conto João Baptista Cansado da Guerra sentar-se-á defronte de si mesmo e rir-se-á dos seus (des)enganos porque um dia se agradara de Sebastiana da Cor do Trigo em Flor.
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E o riso de João Bimbelo ficar-se-á uma vez mais pela flor da pele, mas dessa marca poucos se aperceberão, porque João Baptista fora seduzido e se agradara de Sebastiana Princesa dos muitos e cálidos nomes, primeiro porque a considerara diferente das muitas Maria-Vai-Com-As-Outras que enxameavam os campos e o povoado e em segundo porque é natural que um homem se agrade duma mulher, especialmente se ela for sedutoramente sedutora e nela se reconhecer como igual em busca da liberdade e do horizonte vermelho.
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E com nova risada, com seu jeito de lançar os cabelos para trás, gracejará Sebastiana dizendo que se trata duma indómita amazona em busca de outro sol e de outro mar e que o seu caminho e a sua rota passam ao largo de João Baptista, o qual lhe dirá que a liberdade dela não se cruza com a solidariedade para com os seus iguais, antes cavalga em redor do seu belo, doce e apetitoso umbigo reflectido em cristalino espelho obscurecido, como pena esvoaçante levada pela brisa ou pela corrente, que deste modo perdiam a sua qualidade refrescante
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E nesta roda do ora digo eu ora boquejas tu se foi escoando o tempo e os segundos somando horas, dias e anos, fazendo o coração de João Baptista oscilar como nave mal ancorada aproando ao cais de Sebastiana Princesa que não era rainha. E João Pregoeiro dirá a Sebastiana Mil Sóis, uma vez mais, que ela enche a casa de cor e alegria e semeia o ar de estrelas e que a procura porque aprecia a sua amizade e companhia embora ninguém possa prender o vento porque quando tal sucede o vento deixa de ser brisa e transforma-se em pântano, como ficava a disposição de João Baptista quando a procurava alegre, assim-assim ou nas lonas e ela lhe respondia por cima do ombro ou como quem diz: "Despacha-te, João, vê se te vens porque está na hora de eu me partir", olhando o relógio e comendo pevides por entre dois lânguidos gemidos ou três suspiros, encenados ou não, o taxímetro, marcando a hora e o serviço.
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E novamente Sebastiana Raio de Sol se rirá por detrás dos óculos escuros e disso apenas os lábios darão notícia enquanto diz "Não há meio de ganhares juízo, João, pois desta água não permitirei que tu bebas, que sou independente e livre e para a sede de outrem me reservo, mesmo que as fontes sequem e o moreno vale se transforme em deserto sufocante."
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E rir-se-á também João Baptista ao retorquir que não é ele que fala em machos e fêmeas, antes em homens e mulheres e, acima de tudo, em pessoas, e que se ela em desconversa e a despropósito Ihe diz "Desta cisterna não beberás porque para outrem me reservo" revela mau gosto e pouca amizade, sem a simplicidade de com o seu jeito de pão-pão-queijo-queijo afirmar o vero significado de "Olha para o que eu quero e não para o que em palavras e só em palavras recuso”, porque João lhe dissera apenas "Procuro-te porque gosto de ti e da tua companhia e quero a tua amizade e gentileza, porque o resto virá por acréscimo, se for tempo ou ocasião de acontecer, porque te respeito e à tua liberdade, coisa a que pelos vistos mal habituada estás."
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Ao que Sebastiana responderá "Deixa-te de paleios que os machos são todos iguais, bem os conheço desde menina, são tudo falinhas mansas e delicodocices mas depois vêm as prisões, as pressões e os bofetões e é por isso que eu te varro ao enxota moscas sape gato." E o dia cobrir-se-á de breu, pelo que João Baptista Cansado da Guerra lhe dirá "Cuida de ti, Sebastiana Mandrágora, cuida de ti e do que fazes e dizes não venha o lobo mau em noite de lobisomem e te cante o conto da sereia, pois acreditei que não fosses Maria‑Vai‑Com‑As-Outras, pondo em meu pensar que também tu amavas a liberdade e aqueles que a defendem, apesar dos seus erros, pois só não erra quem não vai à guerra,"
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E neste ponto o pregoeiro interromperá o solilóquio e dirá que isso da liberdade fia pianinho e muitas vezes os próprios inimigos da liberdade a reclamam para mais facilmente a destruírem lançada em suas masmorras profundas e solitárias. E Sebastiana Princesa soltará nova gargalhada ao dizer "Vês, vês como eu sou livre como o vento e só faço o que posso estando na prisão ou dormindo envolta em meus sonhos e devaneios?!" Pelo que João perderá a piada mais ou menos fina, murmurando que por vezes os outros nos agradam e depois buscamos racionalizar e procuramos explicações: o sorriso, os olhos, a boca, o tom da voz, o corpo sedutor e com isso tudo envolvemos a solidão e os nossos desejos mais profundos de paz e serenidade, enquanto noutras vezes a sedução e o encanto vêm aos poucos, hoje uma palavra, amanhã um gesto e por aí fora, até que a rede e o enleio se completam, com malha mais ou menos apertada.
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E aqui novamente o narrador interromperá o pregão dizendo que nada disto pensara dizer pelo que João retomará o fio a meada e dirá que já tudo foi dito e redito e que mandou chamar um ilustre retratista do reino que pintou muitas e variadas poses de Sebastiana Fio de Prata rindo, meditando, olhando, brincando ou escondida por detrás dos seus malfadados óculos escuros, com seu eterno sorriso gaiato ou trocista em seu rosto multifacetado. E esses mil retratos, paupérrimas imagens e reflexos de Sebastiana Princesa, adornavam os salões e corredores do Paço sem que alguém mais os vislumbrasse para além de João Baptista, que com mais ninguém compartilhava ou podia compartilhar o encanto e a sedução de Sebastiana Mil Sóis, a quem oferecera muitas e variadas escribaduras em torno do amor, da amizade, da sedução e também do (des)encanto, que ela guardava no fundo dum qualquer baú. E aqui Sebastiana Agridoce dirá qualquer coisa que o vento levará, abafada pela voz do pregoeiro dizendo "Cuida de ti João, cuida de ti, que há uma diferença entre descobrir e conquistar, entre a paz e a guerra, e bom seria que Sebastiana o soubesse também, pois que o vento é livre enquanto não pára e é nosso amigo quando nos acaricia o corpo e o rosto, mas destrói‑nos quando não sabemos fazer-lhe frente ou deixá-lo passar de lado.”
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E Sebastiana Mil Sóis dirá "Que bem que ele (por vezes) escreve, tal como outrora haviam dito Maria Antónia, Maria do Mar ou Maria Papoila. E João lembrar‑se‑á disso e resguardará de novo em si os gestos de amizade e ternura que a Princesa dos muitos, cálidos e ásperos nomes lhe despertara porque o encantara e lhe agradara vai para seis longas luas, uma eternidade face á brevidade da vida e á impaciência dos mortais. E caindo em si, João se lembrará que lembrará que Sebastiana Morgana o avisara que não se prendesse a ela, que era mulher esvoaçante como a borboleta que paira de flor em flor em busca do fel que agridoça a vida, sem âncora nem porto de arribação, como se João acreditasse que fosse mesmo assim, como se não fosse verdade que muitas vezes pela boca morre a pescada que antes de o ser já está presa nas mãos do pescador quando este aparece e utiliza o fio, a rede, o anzol ou o isco apropriados.
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E Sebastião Braço de Ferro encolher‑se‑á como no retrato à beira do lago e desta feita não permitirá que João a beije ou acaricie, dizendo novamente que se não quer prender nele e tem receio de se vir por aí abaixo, pois é mulher séria, embora mui sorridente, e não é Maria Embarcadiça Embarcada Em Qualquer Navio Sem Rumo Nem Destino. pelo que o pregoeiro interromperá a escribadura para dizer "Cuidem do que fazem ou dizem pois que as palavras e os gestos por vezes são como o fogo e o vento e depois de passarem o chão fica negro, gélido e salgado e entre vocês já existem demasiados equívocos, demasiados desencontros, demasiados enganos, demasiadas perplexidades que obscurecem a vossa amizade." Então Sebastiana Mandrágora tocará o corpo de João fortuita ou prolongadamente e João acordará no silêncio da madrugada e em vão procurará Sebastiana da Cor do Trigo em Flor pelo que nenhuma ave iluminará o silêncio ou libertará o murmúrio de mil candeias.
1 comentário:
Estou a gostar deste conto, como é que acaba?
Estou curiosa
Bj
MAria
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