terça-feira, 11 de setembro de 2007

Ao (es)correr da pena e do olhar (10)


* Victor Nogueira
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No tempo das cartas em papel, sobrescrito e selo
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1. Minha Senhora, de si ... parafraseando a Teresa Horta nesta resposta a "uma senhora livre e culta" que daquele jeito se apresentou nas páginas dominicais do respeitável Diário de Notícias, que hoje comprei para saber o que ontem se passou por esse mundo fora.
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Olho pela janela nesta tarde soalheira, do alto deste nono andar com os campos, as casas e os carros minúsculos lá em baixo, e pergunto-me quem será que deste modo tão lacónico se apresenta, deste modo hermético ?
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Espraio-me ou não na resposta ?! Não começarei por dizer "Cavalheiro ..." porque não faz parte de mim apresentar-me dum modo com reminiscências ultrapassadas neste tempo das novas tecnologias, apesar da delicadeza e bons modos ficarem bem a toda a gente.
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Assim, direi que estou interessado em conhecê-la. (...) Gosto de ler, escrever e contar, para além de cinema, música e teatro (como simples mas crítico consumidor ) Também gosto de conhecer novas terras, gentes e costumes, embora com peso, conta e medida.
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É muito, é pouco o que lhe disse ?! A sua resposta o dirá !
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2. "Mais uma ... ! " pensará para consigo, perante a avalanche de cartas diariamente caídas na caixa do correio, cada uma delas com seu jeito e feitio.
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Uma vez mais aqui em Paço de Arcos, onde venho com frequência, olho desta feita para o sintético anúncio do Ponto de Encontro, estendendo-se perante mim a estrada para Porto Salvo e o campo cada vez mais polvilhado de casas, que se vão juntando até formarem novos povoados.
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Olho pela janela nesta tarde soalheira e tenho algum interesse em conhecer e saber um pouco mais de quem se apresenta deste jeito simples e simpático e parece apreciar algo tão fugaz e frágil como a paz e a felicidade, objectivos perseguidos pela humanidade desde a bruma dos tempos.
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Olho pela janela para o céu azulado e para os campos verdejantes, reparo que o gravador transmite como sempre música, desta feita o Paulo de Carvalho em duas canções com poemas que aprecio, como o de De voz em voz e Olá, como vais ? ...
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Do meu nome já falei logo ali no princípio, quando escrevi Do Victor Manuel para Ana Paula, saudações. De mim posso acrescentar algo mais ao que transparece nas linhas anteriores. (...) E porque gostei do modo como se apresentou, resolvi esta visita; se quiser pode escrever-me, quanto mais não seja para dizer "Olá, como vais ?".
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3. Nesta azáfama quotidiana as horas vão somando dias e as semanas meses, até que um dia voltamos a encontrar o recorte da revista que então nos despertou a atenção. Aproveita-se um fim-de-semana para tentar pôr algo em dia, talvez extemporaneamente, como seja responder a uma jovem de 26 anos, que escreve "a solidão retira o sentido à vida", apesar de médica e psicóloga, portanto e aparentemente em profissão ou actividades onde o interesse e a solidariedade pelo(s) outro(s) são ou deverão ser uma constante.
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Porque escreve desta maneira a Ana Cristina, esperando de outrem, desconhecido e talvez distante, amizade, inteligência e alguma cultura ? (...) Quanto à solidão, bem .... quanto à solidão nem sempre será fonte de sofrimento; ás vezes é necessária, outras vezes dói mesmo.
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Morando e trabalhando em Setúbal, que outrora me encantou mais, quando jovem estudante em trânsito de Évora para Lisboa, Porto ou Luanda, procuro no mapa onde fica Estarreja, nome que me não é estranho. Cá está, mesmo ali ao pé de Aveiro, que só conheço dos filmes ou de passagem nas minhas idas e vindas, outrora mais frequentes, entre Lisboa e o Porto.(...)
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Paço de Arcos, 1988.MARÇO.06

2 comentários:

De Amor e de Terra disse...

Os guardados, sobretudo Diários, podem conter coisas estranhas...
pedaços de vida que deixamos em pastas ou caixas, esquecidos ou quase e que ao serem manuseados ganham vida outra vez.
E os cheiros e os sentimentos, embora amareleciods, estão lá, à nossa espera!

Maria Mamede

redonda disse...

Já tive de ir em trabalho a Estarreja
O teu diário/carta é incrível e subscrevo o comentário em cima porque não saberia dizê-lo tão bem