segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Postal (22) - Évora 1973 (1)

Lisboa
73.01.03
MCG

Serra do Soajo - espigueiros

Olá, C.


Não sei o que são andorras ( 1 ) - parecem-me túmulos - mas gostei da fotografia. Por isso, por uma questão puramente estética, este postal é o meio para escrever-te. São 16 horas e lá mais para a tardinha encomboiarei para Évora. O tempo para estar contigo hoje é escasso, mas as palavras não dão, de modo algum, a medida exacta do meu desejo de estar contigo. Com o significado que a memória e/ou a imaginação lhe derem, aqui ficam beijos e abraços para ti. VM


Lisboa

73.01.09

MCG

(cena)

Casal caminhando de mão dada, ao pôr do sol (?)

NAS ERVAS


Escalar-te lábio a lábio
percorrer-te: eis a cintura,
o lume breve entre as nádegas
e o ventre, o peito, o dorso,
descer aos flancos, enterrar.


Os olhos na pedra fresca
dos teus olhos,
entregar-me poro a poro ao furor da tua boca,
esquecer a mão errante
na festa ou na fresta
aberta à doce penetração
das águas duras,
respirar como quem tropeça
no escuro, gritar
às portas da alegria,
da solidão
porque é terrível
subir assim às hastes da loucura,
do fogo descer à neve,


abandonar-me agora
nas ervas ao orvalho -
a glande leve.


(Eugénio de Andrade)

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À Celeste, com amor

Lisboa, quase rumo a Évora


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73.01.13
MCG

(Arte)

Miguel Lupi, Aguadeira de Coimbra

Daqui, de Évoraburgomedieval, numa tarde chuvosa e prestes a partir para um dos meus circuitos turísticos por terras de Arraiolos, te envio um abraço (Como é pela aguadeira de Coimbra ... não parece mal). Saudações a tua Mãe. VM


Évora
73.01.15
MCG

(Arte)

Almada Negreiros,

A sesta

Serão Palavras Só


Diremos prado bosque
primavera,
e tudo o que dissermos
é só para dizermos
que fomos jovens.


Diremos Mãe amor
um barco
e só diremos
que nada há
para levar ao coração.


Diremos terra ou mar
ou madressilva,
mas sem música no sangue
serão palavras só,
e só palavras, o que diremos.


(Eugénio de Andrade)


em Évora, a 15 Janeiro 73, com um abraço do VM para a Celeste.


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73.02.02
MCG

(humorístico)

casal merendando sentado no ramo duma árvore

Chove! Tenho os pés encharcados e frios. A Televisão transmite um programa de patinagem artística no gelo. Aguardo que o empregado me atenda. O Chico [Honrado] não sabe se me pode levar e quanto á Ana ... há 10 dias que lhe não ponho a vista em cima. De modo que o piquenique em cima da árvore fica para uma próxima ocasião. OK? namoradinha?


Aproveitarei o fim de semana para reler o volumoso "dossier" de Antropologia Cultural. Um beijinho ... de consolação.


A Bia [Almeida] esteve em Évora, com umas amigas. Visita-relâmpago que nem deu para aceitar o meu convite para jantar (suspiro!) Recebi um cartão da tua prima Mariana. Chama-me ... Victor Ramos. Enfim! ... Saudações a tua Mãe. Para ti um abraço do VM


Évora
73.03.30
MCG

Porto, lavadeiras no Rio Douro

Olá, amiga


Ainda consegui regressar a Lisboa a tempo de jantar, com os 18 contos dos nossos salários no bolso e a companhia do Manuel Gião, o que me ajudou a suportar melhor a neura. Apanhamos boleia de táxi, mas é mais cómodo o comboio. Na estrada, a páginas tantas, uma tosca cruz de madeira com uma coroa de flores secas assinala o local onde morreu o Manuel dos Santos. No regresso um "mini" enfeixado numa árvore, pouco antes de Vendas Novas.


Em Lisboa e arredores estava muito calor. E nota-se o ar poluído, por isso mais pesado e custoso de respirar, habituado que estou ao Eborense.


A carta tua de que gostei era aquela que falava no miúdo que foi para casa sem pasta. A cena tinha piada!


Em Lisboa comprei 2 livros do Eça de Queiroz, um de sociologia e 3 postais, um dos quais é este.


Temos uma criada nova, a Ricardina, míope e vestida de preto, com um ar submisso e tímido. O que não a impediu de pedir-me um casaco velho para o pai. Não, foi a resposta.

[Ainda hoje, em 2008, este «não» incomoda-me. Desta cena que o papel registou, como de muitas outras, nada me lembro. É como se tudo o que escrevi fosse doutrem, mas é meu porque ou é a minha letra manuscrita ou a minha assinatura manuscrita na carta dactilografada na minha velha companheira e amiga de longos anos de conversas ou estudos, Olivetti Letera 2000, já no lixo, sem direito a foto]


Talvez vá aí. Ás 19 h. darão a resposta.


Beijos. VM

1 - O Postal dizia "Serra do Suajo - Andorra portuguesa" e o que retratava eram ... espigueiros. No melhor pano cai a nódoa da incultura (96.06.09)

.

Já estive no Soajo e no Lindoso, vi os espigueiros e a solidão rochosa e cinzenta daquela terra feita de xisto e talvez granito.

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