segunda-feira, 12 de maio de 2008

O Dia da RAÇA e o que mais se lerá

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Terça-feira, Junho 12, 2007












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* Victor Nogueira
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NOTA - Se repararem bem, nos Livros ÚNICO para a Escola Primária e mesmo para o 1º Ciclo dos Liceus, do Minho a Timor, só aparecem «brancos». Os negros, quando aparecem, é como rebeldes que são dominados pelo exército branco, sempre heróicamente representado. Nas gravuras, as crianças do livro de leitura da 3ª classe são todas «brancas» e no cartaz propagandístico a mais «primitiva» é a «negra», que era preciso «trazer» à verdadeira e única civilização: a do homem branco católico. Com o início da Guerra Colonial, em 1961, 0 Dia da Raça passou a ser também o dia da encenação das condecorações póstumas dadas a familiares vestidos de negro de soldados mortos «na guerrra», a soldados deficientes físicos em resultado «da guerra» ou a soldados ainda «sobreviventes» da «guerra». Era o tempo das grandes encenações e dos toques de clarim e das formaturas na Praça do Comércio, em Lisboa.
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Voltando ao cartaz de Propaganda, «Portugal, Portugal!» liga-se a duas outras expressões: «Quem manda?»: «Salazar, Salazar, Salazar!» - »Quem vive?» «Portugal, Portugal, Portugal!»
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E se repararem nos «meninos» de cartolina da Mocidade Portuguesa, são todos «brancos.»
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Deste modo a «mentira» ou a «verdade» aparecem clarinhas como água.
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Está a custar-me um pouco abandonar a Lisboa e a sua luminosidade e trocá la por um provinciano burgo, mesmo que seja a cidade museu. (...) Évora é uma cidade pacata, de ruas estreitas e tortuosas, casas caiadas de branco, piso incomodamente calcetado, nada de cosmopolitismo. O edifício do Instituto, que foi Palácio da Inquisição, é amplo e arejado. Gostei dele. (AH - 1968.09.30)

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Escrevo sob a luz dos holofotes que iluminam a Praça do Giraldo, (1) o Rossio cá do burgo, escrevo apoiado no parapeito duma fonte aqui existente. (2) (NSF - 1968.10.25)

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Hospedei me numa pensão (Pensão Restaurante "Os Manuéis"), a dois passos da Praça do Giraldo. O edifício foi construído com essa finalidade, o quarto é bom, o mobiliário obedece a um único estilo - rústico, ao contrário do bric à brac doutras pensões por onde tenho andado, como a Distinta ou as Zitas [em Lisboa]. A comida, dois pratos, é variada, à lista e abundante. A diária oficial é de 88$00 (safa!) É uma hipótese não a considerar, já que a mensalidade (com banhos e tratamentos de roupa) atingiria os 2 000$00. As casas particulares são mais em conta. (NSF - 1968.10.27)

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1 - Nesta praça , centro cívico, se realizavam os autos de fé e a queima dos heréticos, para “maior glória de Deus”. Das escadarias da Igreja de Santo Antão se liam as sentenças do Santo Ofício. Esta igreja foi mandada edificar pelo Cardeal Rei D.Henrique, após a demolição duma ermida gótica, do Pelourinho e do magnífico arco romano nesse local existentes. Defronte situava-se a casa da Câmara, quinhentista, construída sobre as ruínas do Paço Real e demolida nos finais do século XIX para dar lugar ao edifício de Portugal.

2 - Trata se duma praça rectangular, tendo os edifícios, num dos lados, arcadas de arcos medievais dissemelhantes, que deram origem ao nome do café dos agrários, das terças feiras: o Arcada. Nesta correnteza se situava a livraria Nazareth e o Banco do Alentejo, para além de muito comércio. Defronte as arcadas foram emparedadas e nessa correnteza estavam o Turismo, a pensão Diana, com café e esplanada, e uma sociedade recreativa, a Harmonia, de cuja direcção o meu avô Luís foi membro, nela descobrindo o meu pai, em 1974, um aviso por ele na altura escrito. Num dos lados menores situavam se a igreja de Santo Antão com um chafariz do século XVI e no outro o edifício do Banco de Portugal.

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Ontem o Marcello (desde há dois meses) ([7]) teve mais uma das suas conversas em família, ao serão. (...) Nunca imaginara um Chefe do Governo tendo conversinhas "divulgadoras". Para a prole. A minha opinião? Palavras leva‑as o vento, quer sopre de Oeste, quer do milenário Oriente. Venham as obras, os factos. Venham eles. Porque só depois é que... nem só de pão vive o homem. E ontem houve muitas e vagas palavras. Por muito sensatas e oportunas que tivessem sido!
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Mas também houve progressos. Da primeira vez perdia‑se no meio dum enorme espaldar dum intimidante cadeirão, nada "familiarizante". Desta feita não; num ambiente de sala de estar, confortavelmente instalado numa poltrona, de perna cruzada, com um sorriso vagamente cansado, em tom benevolente, falou. (NSM - 1969.02.11)
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_[7] - Anteriormente a ser Presidente do Conselho de Ministros, escrevia‑se simplesmente Marcelo e não Marcello !
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Dentro de momentos a Praça do Giraldo será cenário duma manifestação [do 10 de Junho] que pretendem grandiosa e durante a qual se enaltecerá essa gloriosa e alegremente sacrificada juventude portuguesa que em terras de África defende a herança dos seus avoengos, numa guerra santa sobre cujos fundamentos se não admitem dúvidas. Entretanto a Universidade de Coimbra está em greve desde há largas semanas, greve de que os jornais não falam, a não ser publicando os diversos e por vezes incoerentes e inverosímeis comunicados das autoridades académicas. A música continua a ser monoral. (...) Está uma manhã cheia de sol, contrastando com o pluvioso e cinzento dia de ontem. Pela janela aberta chegam‑me aos ouvidos o chilrear dos pássaros e os discursos transmitidos pelos autofalantes, na cerimónia que se realiza a dois passos daqui, entrecortados por salvas de palmas. (NSF - 1969.06.10)

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Isto por cá não anda muito bom. As greves sucedem‑se diariamente - só por portas travessas se sabe - e as deserções do exército, nomeadamente dos oficiais milicianos, continuam a verificar‑se. Entretanto o problema do Ultramar continua a ser explorado emocionalmente, com completo desrespeito pelos interesses do povo português. A emigração aumenta. A nau mete água por muitos rombos. (NSF - 1970.07.18)

Passei pelo café, que estava vazio de quem me interessasse. Apenas a Lídia, o Tobias e o Luís, muito entusiasmados porque em Évora "rebentara um golpe de estado" (!) O Tobias teria visto um movimento desusado e aparatoso de polícias com capacetes de aço e metralhadoras aperreadas nas imediações do Governo Civil. Para lá seguiu o grupo, mas sem mim, pois tenho mais que fazer. Amanhã lerei os jornais e logo saberei.
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Évora moderniza‑se. Este ano o Giraldo terá iluminações natalícias. Vamos ver se as colocam antes de eu abalar ou não as retiram antes do meu regresso. (MCG - 1972.12.15)
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Chegou agora o Guerreiro, mas vai lendo os vespertinos para se pôr em dia. Assisti ontem, como não podia deixar de ser, ao discurso do Marcelo Caetano sobre o Ultramar Português, na sequência dos incidentes verificados em Lisboa na Capela do Rato, após a atitude tomada por um grupo de católicos - chamados progressistas - sobre a paz - e as consequências da guerra colonial. (...) Pois o discurso do 1º Ministro foi atentamente escutado pela audiência ali do Café Alentejo - onde vejo o pouco que me interessa na TV. Escutado atentamente mas não reverentemente. Um discurso notável pela sua construção, pelo encadeamento (embora falacioso) das ideias e factos, pela sua poesia ("Que bom poder ser moralista...", faz-me lembrar um dos poemas dum dos heterónimos do Fernando Pessoa), pela deturpação dos factos e pela demagogia. Nem o tom nem o tema me surpreenderam. Parece um facto que o Governo Português procura uma solução política para o problema colonial. (MCG - 1973.01.16)
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Vou até ao café lanchar e poluir um pouco os pulmões. (MCG - 1973.01.24)
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No Giraldo Square erguem-se bancadas e toldos, que vedavam ao trânsito automóvel a rua da Selaria (ou 5 de Outubro). O Giraldo é uma "bancadaria" para [comemorações d]o 10 de Junho, que este ano deve ser comemorado em grande, para compensar os desastres que se vão averbando na Guiné e no Norte de Moçambique. (...) Domingo próximo, em Portugal de lés‑a‑lés, viver‑se‑ão jornadas de fervor patriótico! (MCG - 1973.06.07)
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(...) Num ápice o Arcada enche‑se. Terminaram as condecorações, os toques de clarim e o desfilar das forças em parada. Já ontem se notavam muitos forasteiros que de longes terras vieram até ao povoado. Aqui à minha direita, muito ternos, uma moça conversa com o namorado e deixa entrever um grande pedaço da pele das costas, entre as calças e a blusa. Questões de posição! À esquerda, um marinheiro com familiares (?) exibe a sua condecoração de fresca data. Além o senhor Jaime abre e fecha os braços, como asas, enquanto vai dando lustro aos sapatos de um cliente. Passam empregados com as bandejas cheias de chávenas, copos e comes. O casalinho de namorados bebe chá com torradas. O mesmo que um casal já caminhando para a meia‑idade aqui à esquerda, na mesa ao lado. Ele já acabou de ler o Diário de Notícias (fraco gosto) e ela dá‑lhe uma torradinha. (...)
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O marinheiro levanta‑se e parte. Afinal a bengala não é dele mas do amigo que o acompanha. O senhor Tenente e o senhor Coronel cumprimentam‑se, batem a pala e apertam as mãos, enquanto as respectivas esposas se beijam. Na carequinha do senhor Coronel o vinco na pele assinala a presença do boné, agora sobre a cadeira. Entram pessoas de luto e há cumprimentos de mesa a mesa. Precisava duma câmara de filmar. Sobre a minha mesa, "O Século" (sabe) que dentro de dias será descerrada em Luanda uma estátua ao Marcelo [Caetano]. Para além d'O Século a lapiseira, um livro ("A Sociedade de Consumo") e o porta‑moedas (agora é incómodo trazê‑lo no bolso). (...) O Jorge apareceu ontem pelo café, depois duma longa ausência. Mais velho, já não o miúdo que conhecemos, agora com os ombros curvados, mostrando-nos os calos do trabalho de servente de pedreiro. Gosto dele, mas não encontro nem os gestos nem as palavras que lho digam. ([13]) ( MCG - 1973.06.10)
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[13] - Em 5 de Abril de 1971 escrevia eu: "Sábado fui com o Jorge ao cinema, ver um filme de desenhos animados com o Asterix. Pois bem, o miúdo pulava e ria‑se, enfim, era um espectáculo. Gosto dele, só tenho pena ... que não estude. Tem‑me oferecido rebuçados, uma daquelas bolinhas de plástico que saltam muito e até me chegou a pagar o jornal ! Há dias apareceu‑nos no café todo eufórico. Tinha ganho algum dinheiro e então comprou um cinto com uma espada de plástico, postais, maçãs e ... um copo. Enquanto não mostrou a espada a toda a malta sua conhecida não descansou. Queria também que aceitássemos as maçãs dele e os postais. Quem não gosta da brincadeira é a D. Vitória [Prates, minha hospedeira na Rua do Raimundo]. (NID - 1971.04.05)

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Quanto à correspondência violada [pela PIDE], por razões que desconheço, só seguiam recortes de jornais relatando o que se tem passado na Assembleia Nacional.(...) Daqui para o futuro acompanharão os recortes uma lista detalhada dos mesmos e irão lacrados. Farto de malandros ando eu. (NSF - 1971.06.30)
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30 foram as camionetas (fora os automóveis particulares) que de Évora se deslocaram a Lisboa para apoiar o Marcelo [Caetano]. Beja, Santarém, Leiria, Portalegre, enfim, milhares de tipos confluíram para a manifestação do entardecer [em Lisboa]. Pena não autorizarem as contra‑manifestações. (...) O Diogo diz que da Amareleja não terão ido pessoas à manifestação (salvo talvez os da Casa do Povo). Não porque sejam do reviralho, mas porque não se metem nestas coisas (viver não custa..). (MCG - 1973.07.19)
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Chove. Está cinzento. A chuva faz barulho no pátio. Amanhã é 3ª feira, o meu dia negro, pois a cidade - e o café - enchem-se de alentejanos corpulentos, solidamente parados no meio do caminho, de chapéu na cabeça e fatos escuros, como se nada mais existisse no mundo senão as suas irritantes pessoas! Embora cheia de gente, a cidade, para mim, está despovoada. Quando não estou na minha torre (cela, como diz a D. Ilda) ando por aí, pelo café, pelas livrarias, pelo Instituto [ISESE], quase sempre (fingindo‑me ) muito atarefado. (NID - 1973 ?)
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Greve dos Bancários em Évora? Nem cheiro dela! "Amanda‑se" cada "boca" ali naquelas mesas do café que é impressionante. (MCG - 1973.07.16)
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Ontem à noite (1973.10.24), no regresso de Arraiolos, muitos Mercedes a caminho de Évora, onde às 21:30 alentejanos cinzentos de ar sisudo aguardavam ordeiramente o início da sessão de propaganda da ANP [Acção Nacional Popular]. Debaixo dos arcos [arcadas], uma fila de homens, com ar humilde e jeito de rebanho descido da camioneta, dirigia‑se para o cinema onde se realizaria a tal sessão. A Oposição não comparecerá as eleições no domingo. O Marcelo [Caetano] bater‑se‑à contra nada. (MCG - 1973.10.25).
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Em casa deitei‑me mas o dormir não veio e li O "Tintim", mais o"Expresso" (e as suas análises embirrantes, "higiénicas"), o "Comércio do Funchal" (e as suas "contradições de classe", agora em guerra com a "República"), o "Diário de Lisboa" e a "República" (cada vez me aborrece mais a "ingenuidade" do senhor Raúl Rego)... Enfim, agora é que são mesmo 19:00 horas e bocejo tremendamente, o que é mau sinal. (MCG - 1973.10.29)
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Levanto os olhos e vejo muitos magalas, na sua farda verde oliva. Andam também pelas ruas, aos grupos, espalhafatosos, como quem já tem o seu grão na asa. "Cheira‑me" que haverá dentro em breve mais um contingente para a guerra em África. Alguns escrevem, curvados sobre o papel, a caneta firme na mão, como quem não está habituado a frequentes escrituras. Parecem rapazes muito novinhos; uns conversam, irrequietamente, outros têm um ar absorto, ausente.
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O barulho invade‑me e cansa‑me. Há pouco, dei de repente com um silêncio gradual, profundo. Levantei os olhos do papel e era um magote de gente à volta duma mesa, em pé. Um silêncio em crescendo gradual. Gente levantando‑se, esticando o pescoço. Continuo a escrever. Alguém se deve ter sentido mal, mas o meu curso de primeiros socorros já tem oito anos. Um homem sai do meio do magote, os seus lábios mexem‑se e leio "Desculpe‑me" a mão passada pela testa como quem tem suores ou tonturas. Sai pela porta giratória (há pouco atrás de mim) e perde‑se na noite das arcadas. (MCG - 1973.11.26)
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O chão do café está um autêntico chiqueiro. Juncado de papéis, beatas e fósforos. E terra. (MCG - 1973.11.27 A)
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Os magalas ainda não embarcaram, continuando a encher ruas e cafés. Cheguei há instantes da tabacaria, onde confirmei um anti-slogan: "Não telefone, vá!"Uma hora, foi o tempo que levei para conseguir uma chamada para Lisboa. (...)
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A gasolina é quase como agulha em palheiro para encontrá‑la. Está praticamente esgotada em Évora ou Lisboa. P'rá semana há mais! Domingo passado, segundo o Carlos, às 4 da tarde já havia 3 ou 4 carros parados numa bomba aguardando pela meia noite para poderem seguir rumo a Lisboa. No regresso de Portalegre tiveram de juntar‑se‑lhes. (...)
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Hoje à tarde o dono do Zé do Casarão estava furioso, telefonando quando por lá passei a comprar o "Comércio do Funchal" (agora gastando páginas numa inútil polémica com a "República"; uma guerra de alecrim e manjerona!). E o senhor desabafou comigo. Estava furioso com o chefe da PIDE. Que mandou lá buscar o último fascículo da "Enciclopédia do Vilhena", que foi devolvido meia hora depois, por um contínuo, que disse: "O senhor chefe diz que pode vender!" Ah! Ah! Ah! Porque, dizia o Zé, isto é um abuso. Se queria ler, pedia‑mo emprestado. Porque ele não tem competência para decidir ou não da apreensão de revistas e livros, sem autorização do Ministro do Interior." Ah! Ah! Ah! E acrescento-lhe eu: "E de qualquer modo não podia levá‑lo sem levantar um auto de apreensão" E lá deixei o Zé, furioso, telefonando não sei para quem." (MCG - 1973.11.27)
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Chegados a Évora, a 1ª bomba de gasolina ostentava ainda (?) o fatídico "Esgotado"; na 2ª uma longa fila de automóveis estendia‑se desde a Porta do Raimundo à Porta de Alconchel. Mais uns metros adiante um auto tanque da SACOR enfiava pela estação de serviço (à saída para Lisboa) e num ápice 6 automóveis iniciaram uma bicha. Azar, que o empregado logo disse que só amanhã, às 8 da matina. E assim saímos do 5º lugar. É o que eu digo: a continuar assim a gasolina esgota‑se ainda mesmo antes de haver. (MCG - 1973.12.03)
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Há gasolina à farta nas bombas de Évora e acabaram as bichas. (MCG - 1973.12.04)
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Ao entardecer a Rua do Raimundo é um espectáculo ao descê‑la. Não gosto de Évora, porque não se vê o mar, nem a relva, nem as árvores, mas só pedras. Évora é um círculo que nos esmaga e constrange. Mas o espectáculo da Rua do Raimundo, quando a descemos ao entardecer!... O sol põe‑se mas o céu ainda é azul, com dois luzeiros brancos cintilando. Um arco vaporoso tingido de encarnado - rasto dum avião - cruza o céu da rua, de casa a casa. O horizonte é um encarnado pálido e as ruas são brancas e as pessoas passando quase fantasmagóricas.
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(... ) E então, que me dizes ao aumento do preço do petróleo e seus derivados? (Lá para Abril deve haver mais. Olarilas!). A velhota dos jornais ali às portas do Arcada já desabafou comigo esta manhã: não haver um raio que os partisse! Há 10 dias encomendara uma garrafa de gás; está cozinhando a lenha. Que só na 3ª feira. "Os patifes, os espertalhões, já sabiam disto e obrigam-me a pagar o gás mais caro!" Como dizia o Carmelo, muito solene e sisudo na sua pose à mesa do café: "Isto está cada vez pior!" (MCG - 1974.01.03)
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Hoje foi o Dia da Polícia e está explicado porquê toda a semana têm desfilado pelas ruas da cidade: preparação do grande acontecimento, em que estrearam os capacetes cinzentos com viseira protectora, espingarda de baioneta calada ao ombro, deixando, na esquadra, o escudo protector das pedradas dos manifestantes. 50 000 mil contos teria sido a quantia gasta nos últimos tempos pelo Governo para equipar a polícia. Ah! Ah! Os tempos vão desassossegados! (1974.03.12)
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O dia hoje está soalheiro. Regressei há pouco a casa; os jornais esgotaram. A RTP noticiou que na madrugada de ontem houve um levantamento militar nas Caldas da Rainha, após uma semana de grande confusão. (...) Segundo a BBC o Movimento das Caldas [16 de MARÇO] pretendia exigir a demissão do Presidente da República [Almirante Américo Tomás](1974.03.17)
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Dizia a BBC ontem que prosseguia o chamado "julgamento" das 3 Marias (Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa) autoras dum livro chamado "Novas Cartas Portuguesas" sobre problemas da mulher portuguesa, que a acusação pública considera pornográfico e ofensivo da moral e dos bons costumes. Mas uma das testemunhas de defesa, Maria Emília... , afirmou que ofensivo da moral e dos bons costumes era o facto duma mulher não poder andar na rua e transportes públicos em Lisboa (e em Évora ?) sem ouvir piropos indecorosos e ser apalpada. Referiu também as vantagens que os homens da classe alta tiram impunemente da sua posição sobre as jovens das classes inferiores. (MCG - 1974.03.21)
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Vim até aqui ao Arcada, muito barulhento. Está um dia bonito, cheio de sol. Évora está cheia de miúdas, aos bandos. (MCG - 1974.03.31)
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Com um ar grave e solene o locutor de serviço na Televisão comunica à hora do noticiário que a emissão prossegue com um concerto de Freitas Branco, até que sejam transmitidos os comunicados do Movimento das Forças Armadas. O emissor do Rádio Clube Português transmite música portuguesa. Aguardo que retransmitam o comunicado da prisão do Presidente do Conselho de Ministros, refugiado no Quartel da GNR, no Largo do Carmo em Lisboa.
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A Rua do Raimundo, os carros nela estacionados, o pátio, o terraço, a casa de banho, estão juncados de restos de papéis queimados. Grande actividade vai ali na sede da Acção Nacional Popular ([15]) onde devem procurar livrar‑se de papéis comprometedores. São já quase 20 horas e um novo comunicado informa que "Sua Excelência o ex‑Presidente do Conselho de Ministros se rendeu incondicionalmente a Sua Excelência o General António de Spínola, juntamente com os ex-Ministros do Interior e dos Negócios Estrangeiros" O Pai Tomás ainda não se rendeu. Penso que os regimentos de Évora ainda não aderiram ao pronunciamento militar. Pelo menos nenhum dos jornais que li hoje fala em Évora, sede de uma das quatro Regiões Militares. (...)
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Foram pancadas secas as que me acordaram cerca das 8 h 30 m desta manhã, seguidas dum jorro de luz sobre os olhos e da visão do Diogo [Guerreiro] em pijama, o rádio na mão: "Ouve lá isto e vê se percebes alguma coisa!" Meio a dormir ouço, pelo rádio, um apelo aos médicos e falar nas operações iniciadas na madrugada de hoje. Estou baralhado e nada sei sobre o que estou a ouvir. A Emissora Nacional está silenciosa. Ouve‑se música portuguesa, especialmente do Zeca Afonso. Durante o resto do dia segue‑se a audição dos comunicados do Comando das Forças Armadas. No Instituto a malta aglomera‑se junto aos automóveis com rádio. A Filomena está assustada (Tem muito medo das revoluções!) e diz que é um golpe das esquerdas. Mas nada se sabe de concreto sobre a finalidade e orientação do Movimento.
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Dizem‑me que os bancos estão encerrados e dou por mim a pensar se o dinheiro que tenho no bolso me chegará para o fim‑de‑semana. Felizmente que levantei ontem massas, se não estava lixado.
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À cautela passo pelo Nazareth para arranjar um exemplar do livro do Spínola, que não circula em Angola e que o [meu irmão Zé] tem interesse em ler.(...)
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Venho até casa para saber de que lado está a RTP. A emissão começa à hora habitual - 12:45 - e surge um locutor de olhar esgazeado, olhando para a direita e para a esquerda, ouvindo‑se ruídos no estúdio. A emissão é interrompida. Será um locutor do Movimento? A emissão recomeça pouco depois e a dúvida desvanece‑se: o locutor, com ar atrapalhado, informa que seguir‑se‑à um filme da série Daktari, o telejornal das 13:45 e a Telescola. A emissão é novamente interrompida, recomeçando pouco depois com o filme anunciado: animais sendo caçados com laços.
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(...) Nos comunicados do MFA o general Spínola é apresentado como o fiel intérprete dos sentimentos da população (que não se teria manifestado) ([16]) Eis o homem. Para já, teremos uma ditadura para restaurar as liberdades cívicas.
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Nas ruas de Évora, durante o dia, a malta sorria‑se, euforicamente, numa euforia um pouco contida. (1974 ABRIL 25).
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[15] - Cujas traseiras dão para o pátio da casa onde moro.
[16] - Ao contrário do que sucedia em Lisboa, com a população a encher as ruas e rodear os militares, determinando o rumo do Movimento, em Évora as manifestações populares foram muito comedidas.
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[Deviam seguir-se «Os Dias da (Pré-)Revolução», mas esse está muito inacabado, apesar do seu eventual interesse sobre o que, visto pelos meus «olhos», se passou do ponto de vista político antes e sobretudo depois do 25 de Abril de 1974, até Agosto/ Novembro de 1975, quando me casei e a minha família regressou a Portugal antes da indepêndência de Angola, altura em que cessou a correspondência diária ou semanal]
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Um Filme: A Bíblia - Victor Nogueira
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Um filme: S. Francisco de Assis, de Liliana Cavani... - Victor Nogueira
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Dois filmes sobre o Amor - Victor Nogueira
Uma greve no antigamente - Victor Nogueira
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Um 1º de Maio no tempo do fascismo - Victor Nogueira
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O 4 de Fevereiro e o início da guerra em Angola - Victor Nogueira
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O 15 de Março em Angola - Victor Nogueira
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Vidas (2) - O Cunha, alfarrabista em Luanda - Victor Nogueira
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Vidas (4) - A Bela e o Monstro - por Victor Nogueira
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Vidas (5) - A fúria do Zé do Casarão - Victor Nogueira
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Na cadeia e no tribunal de Arraiolos - Victor Nogueira
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Uma sessão cultural em Évora - 1972 - Victor Nogueira
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RTP - Zip-Zip - Uma pedrada no charco - Victor Nogueira e outros
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Breve história dum miúdo - o Jorge - Victor Nogueira

Coimbra - Encontro Nacional de Direcções Associativas - Novembro 1974 - Victor Nogueira
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1974 - Campanhas de Alfabetização - Victor Nogueira
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OS DIAS DA REVOLUÇÃO (notas soltas) - Victor Nogueira
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O Alentejo Rural - antes e depois de Abril - Victor Nogueira
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O 1º emprego, a tempo inteiro - Victor Nogueira
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O maior português de todos os tempos (1) Zé Povinho ou Fernão Mendes Pinto - Victor Nogueira
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O Maior Português de sempre (6) - Salazar porquê ? - Luis Alves de Fraga e comentários de Victor Nogueira e outros
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Mortos com os «safanões» ordenados por Salazar e Caetano (1) - Victor Nogueira
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Mortos com os «safanões» ordenados por Salazar e Caetano (2) - Victor Nogueira
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Efemérides entre Agosto e Setembro - Victor Nogueira
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1926 a 1974 - 48 anos sem direitos - Victor Nogueira
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Reflexões sobre a história e os diferentes ângulos de visão - Victor Nogueira
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A matança dos «inocentes», segundo a História do Senhor M. Lima - Victor Nogueira
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O Direito à Vida acaba com o nascimento?
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Histórias com o Caló - Victor Nogueira
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As voltas que o Mundo dá - Victor Nogueira
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25 de Abril - Reflexão e alguns dados - Victor Nogueira
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A mulher e o mundo do trabalho - Igualdade por cumprir - Victor Nogueira
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A subversão encapotada da Constituição - Victor Nogueira
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Teletrabalho: uma via para a liberdade ou caminho para a exploração? - Victor Nogueira
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Massacres em Angola - 1961- pontos de vista - Victor Nogueira
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Histórias de enganos ... - Victor Nogueira
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Guerra, Descolonização e tentativa de branqueamento da História - Victor Nogueira
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Portugal: descolonização exemplar ou traição criminosa ? - Victor Nogueira
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Abril em Maio após Novembro (2) - Victor Nogueira
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Paris, já está a arder? - Victor Nogueira (texto e selecção de imagens) e

Em conversa com ... (11) «anti-prémio da Humanidade» - Concepção e selecção de imagens de Victor Nogueira
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Informação alternativa - Victor Nogueira
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