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* Victor Nogueira
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O fim de semana foi bastante ocupado em Coimbra, com o Encontro Nacional de Direcções Associativas, que totalizou cerca de 15 horas de reuniões. Agora é que me estou apercebendo que os congressistas não devem ter muito tempo para turismos, pouco ficando a conhecer do mundo que percorrem, do qual pouco mais devem ficar conhecendo que as salas de conferências e os quartos de hotel. Enfim... Mas, a meio de domingo, para espairecer, tirei uma escapadela da sala de reuniões para dar uma volta pela cidade universitária, constituída pelo antigo edifício, com a sua porta férrea e a torre sineira que outrora chamava os "meninos" para as aulas. Para além deste edifício antigo, em cujo pátio se encontra uma estátua de D. João II (ou será o III?) e donde se avista o vale verdejante onde corre o Mondego. Existem também novos edifícios, maciços, lineares e sem graça, ao bom estilo arquitectónico fascista. Neste aspecto Lisboa é mais airosa e a sua cidade universitária (incompleta) situa se no meio de campos relvados e arborizados. Da cantina para a Cidade Universitária, percurso que fizemos algumas vezes durante o fim de semana, o acesso faz se por uma enorme escadaria, tão custosa de subir que ao chegar quase ao cimo pouco havia para me faltar o ar ou as pernas se recusarem a subir. Creio que foi por esta escadaria que a GNR fez subir os seus cavalos, em perseguição dos estudantes, durante a greve académica de 1969. Não o teriam conseguido porque os estudantes deitaram lá de cima água com sabão, que fez a cavalaria bater com os ossos no chão. Tudo isto na sequência da inauguração dos novos edifícios da Universidade, durante a qual o Presidente da Associação Académica pediu a palavra em nome dos estudantes, que lhe não foi concedida pelo "Pai" Tomás e que abriu a época a uma feroz repressão contra os estudantes (...)
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6ª feia passada fui ver uma exposição sobre o 57º aniversário da Revolução Russa.. Para além dumas fotografias do Lenine e dos primeiros tempos da Revolução, as restantes representam múltiplos aspectos actuais da sociedade soviética. Intencionalmente ou não, por parte dos expositores, a ideia que ficou em mim foi "Afinal na Rússia é como aqui: as pessoas riem, brincam com os filhos, estão nas aulas ou nas fábricas, há carros nas ruas,... enfim." Mas a exposição é apenas fotográfica e, salvo um livrito de propaganda, não há mais elementos e estatísticas sobre a vida dos povos soviéticos e a sua evolução, bem como dos princípios que presidem à política económica e cultural soviética.(MCG - 1974.11.12)
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São cerca de 18 horas e há 1 [uma] que terminou a sessão inaugural do Seminário Sobre a Democratização do Ensino. [1974] Estou aqui num café (O Mandarim), meu velho conhecido, com a malta de Évora. Está frio e ameaçando chuva. Ficámos num lar de estudantes, ao cimo duma ladeira imensa. Perante a enormidade do tempo à minha frente - só logo às 22 horas há uma sessão de cinema sobre a campanha de alfabetização. Sinto-me aborrecido. Tenho que arranjar com que ocupar o tempo. Amanhã quero ver se vou à matinée ver um filme "A Estratégia da Aranha" [de Bertolucci]. (MCG - 1974.11.13)
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Aqui na esplanada do café Moçambique está frio e húmido e os meus sapatos parecem autênticos chafarizes. Lá dentro o ruído e o fumo não são convidativos. De resto este café, como um outro aqui ao lado, têm um cheiro esquisito, que não sei bem definir, talvez resultante do aglomerar de corpos. São 20:50 e daqui a pouco tenho de ir ao outro lado da praça apanhar o autocarro.(MCG - 1974.11.15)
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Por cá chove e as ruas chegam a ser autênticos rios, que os carros chapinham encharcando os transeuntes descuidados. Aqui para os lados onde paro mais - Universidade, Cantina e Teatro Gil Vicente - predomina a malta nova e não se vêm táxis. Pouco tenho visto da cidade, que me parece desgraciosa; sem harmonia estética, ao contrário do que sucede em Lisboa ou mesmo Évora. Parece me uma cidade incaracterística na traça dos seus edifícios e no delineado das suas ruas. Amanhã é o último dia do "Seminário Sobre a Democratização do Ensino", que hoje teve a presença do Ministro do Trabalho. Amanhã haverá um convívio. Sinto me cansado: saio de manhã e só volto à noite. (MCG - 1974.11.16)
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(...) Cá vou de regresso a Lisboa, num comboio cheio mas onde consegui arranjar um lugar sentado. Os meus companheiros de cabine dormem e um deles ressona beatificamente.
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Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra!!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler! (MCG - 1974.11.17)
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