quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Outro Homem na Lua

* Victor Nogueira
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Com o PC bloqueado - entenda-se -» personal computor - lá ficou o IRC de molho! Sabes, cada um dos meios de comunicação tem os seus inconvenientes e as suas vantagens: nunca te leria os meus poemas nem ao telefone nem de viva voz, antes tos daria em papel, que tu lerias ou não, imediatamente ou não, comentando ou não por escrito, de viva voz ou silenciosamente com a expressão dos teus olhos, do teu rosto e dos teus músculos faciais.
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As pessoas dizem que escrevo bem e há quem goste do que escrevo. Mas nunca ninguém comentou os poemas que eu ia dizendo com o teclado dum modo tão imediato, tão em cima do acontecimento e tão expressivo como tu o fizeste. Porque apesar da frieza do teclado e do ecrã, expressas-te dum modo expressivo, envolvente. Não sentia a tua voz, desconhecia como soaria aos meus ouvidos e que reacções despertaria em mim, não via o teu rosto nem o teu olhar, mas a comunicação fluía. Dum modo como não tem sucedido pelo telefone, em comunicação cheia de hiatos, de silêncios, com a descontinuidade do ora falo eu, ora falas tu. Apesar de teres uma voz muito agradável, embora com um jeito de quem está a falar com uma criança pequena ou com alguém com temos uma grande intimidade, quando ainda somos um para o outro como se fôramos uma folha quase em branco, onde se pode escrever tudo o que ainda lá não está!
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Comentei a tua voz com a Susana e despachada como é disse logo: ah! isso é voz de médica. E pensando bem, a J. uma desaparecida amiga nossa, tem um tom e um modo muito parecidos com o teu e fala assim com quase toda a gente; com mais reserva, é desse modo que falam as minhas médicas de clínica geral e de oftalmologia. Olha, a rapariga é capaz de ter razão!
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Mas na NET as pessoas encontram-se ou porque estão lá ou porque combinaram, sendo mais fácil preencher os tempos mortos, não existindo o receio de estar a incomodar ou a violar a privacidade de outrem, como sucede quando uma pessoa telefona a outra. Para além disso, na NET, se não queremos ou não podemos falar com alguém naquele momento, não se leva a mal que tal seja dito pelo interlocutor, nem se fica ofendido se nos dizem para não nos metermos, pois parte-se para outra.
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E depois as coisas podem ser comentadas no momento, sem prejuízo dum tratamento posterior. Com o e mail e sobretudo com o correio normal, há sempre um hiato, maior neste último caso. Não se fica a saber imediatamente o que o outro achou dos textos, como reagiu a este ou àquele comentário, aspecto ou atitude, etc., etc.
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Bem, menina, chega de filosofia internetiana. Em comentário final, já me têm adjectivado de várias maneiras, umas agradáveis e doces, outras ásperas quando não ofensivas. Mas essa de me compararem a uma pérola é originalidade tua. Se gostares de ópera ainda te ofereço O Pescador de Pérolas! ;o))))
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Está um bonito e soalheiro domingo, o Rui já desocupou o escritório-livraria-armazém ocupando o quarto que foi da irmã e já comecei a levar para lá a tralha e livralhada que me enchiam as restantes assoalhadas. Só depois é que começarão as arrumações propriamente ditas. A mudança para o fundo do quilométrico corredor tem a vantagem de afastar mais para longe os ensaios guitarrísticos da pesada, embora venha com frequência solicitar a minha deslocação para ouvir as composições letrísticas e musicais por ele criadas, insistindo que olhe para a arte do dedilhar as cordas, aspecto em que não sou expert.
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Já deves ter recebido a minha encomenda, esperando que aprecies. O livro tem também uma vantagem: podes adaptar as histórias para a Rita, se é que não as inventas mais ou menos fantasticamente como eu fazia, não contando duas vezes do mesmo modo. Esta metodologia surtia efeito com a Susana - cada história era uma nova história - mas dava origem a dramas com o Rui, que dizia que queria a outra, de que eu já me não lembrava: não era assim, conta como da outra vez!
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E já agora, por histórias, enquanto o PC do Rui não é posto operacional e enquanto aguardo a tua carta começada na madrugada deste domingo, e porque esta carta começou a ser escrita no dia do relançamento espacial do astronauta John Glenn, ao meu livro de Retratos fui então buscar a d'Um Homem na Lua. Queres ouvi la?
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Um homem na Lua
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(...)
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Os dias sucederam-se em carreirinha de humor oscilante: ora frio, ora calor, ora tempo seco, ora chuvoso, limpidamente azul ou de cinza nublado. Fui ao mapa localizar a tua terra, Alijó, e constato que vens ali das cercanias de Trás-os-Montes, mais propriamente das vizinhanças de Bila Real e Peso da Régua.. Ainda existe o enorme e centenário plátano frente à igreja matriz de que fala um dos livros que consulto para saber algo das tuas origens? A minha avó materna era dessas bandas, de Chaves, mas a minha família é de toda a banda: uns de Goios (Barcelos), outros de Matosinhos (Porto) e de Mora (Alentejo) e mais para trás do Ribatejo. Os meus pais são tripeiros de Cedofeita, eu fui nascer em Luanda e os meus filhos a Évora. Como vês, uma visita à família é quase como dar uma volta a Portugal, para não falar dos que andam ou andavam emigrados e de cujo convívio ando apartado desde a morte do meu avô materno, vai para um quarto de século.
Penso que já terás recebido a lembrança pelas tuas risonhas 46 primaveras e sem NET vou aguardando as tuas folhas manuscritas. Entretanto comprei um livro sobre a Internet, escrito numa linguagem acessível e muito informativo. Num outro que tinha cá em casa, ilustrado e mais ligeiro, descobri alguns signos pictóricos internetianos. Nesse livro o rosto é representado por :-. :-7 é sorriso forçado (como o meu enquanto não sei novas de ti!), :-D - riso a bandeiras despregadas, :'-( choro entre outros)
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Setúbal, 1998 Outubro 30 / Novembro 4
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O sol levantou-se várias vezes e outras tantas se pôs para lá do horizonte que lhe está defronte. Era para te mandar estas linhas por escrito, pelo correio normal, mas a disquete tem andado na carteira sem tempo para imprimir o ficheiro, pelo que vou mandar-ta pelo e-mail, pois a minha impressora caseira não está 100% OK e não tenho paciência para imprimir um texto tão longo. O PC do Rui já está operacional, mas os e-mail, incluindo os teus, ou foram à vida ou estão armazenados lá para um cantinho que não descubro, Sabes como recuperar o material? Bem, de qualquer modo diz-me os títulos ou 1º verso dos meus poemas que te enviei, para não apanhares com eles em dose reforçada.
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Amanhã é dia de referendo e pela 1ª vez nos últimos doze anos não estarei numa mesa de voto; a minha coluna está claudicante e não estou para sacrifícios. Aliás aquilo é uma estopada, excepto para o presidente, porque é o único que se diverte um pouco e não está quieto ou a conferir nomes.
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Setúbal, 98.11.07

1 comentário:

De Amor e de Terra disse...

Sente-se um certo optimismo espectante..uma ânsia de estar perto, de ver, de tocar, de conhecer melhor...
e uma certa felicidade insegura..

é a minha leitura;

Bj

Maria Mamede