domingo, 23 de setembro de 2007

Ao (es)correr da pena e do olhar (20)

* Victor Nogueira


.O calor continua e neste fim de semana partirei mesmo para o Norte, pois eu e a Susana queremos estar de volta para poder assistir à Festa do Avante. De manhã fui cortar o cabelo a um barbeiro já velhote cuja existência desconhecia, ali numa transversal entre a Livraria Danny e o Largo do Mercado. A barbearia foi outrora o Salão Azul, agora decadente, e aplica cortes antigos e preços que são metade dos de outras barbearias. E que lento que é o velhote na execução da sua tarefa! «Porque gosto do trabalho perfeito», explicava-me ele.


.À tarde o Rui queria ir ao cinema ver o Pimentinha, baseado num miúdo endiabrado personagem da banda desenhada; mas a Susana preferia ver as lojas da Baixa Pombalina, para arejar o dinheiro. Prevaleceu a proposta da Susana, que comprou adereços de artesanato em pele e missangas, tendo oferecido ao maninho uma fina pulseira em cabedal.


.Com a Rua Augusta fechada ao trânsito automóvel, os passeantes passeiam-se à vontade no longo passeio público, onde personagens variados expôem as suas habilidades. Aqui um presumível grupo de índios da América Latina, todos de igual vestidos, interpretam canções do seu folclore, perante uma pequena multidão à sua volta, fotografando ou embascando-se. Menos assistência tinha um deficiente físico pintando um quadro com a boca. Mais além outra pequena multidão rodeava um velhote com periquitos numa caixa e um plano inclinado, sem que se percebesse que habilidades saíriam dali (talvez estivessem intimidados com a assistência ou ainda em fase de aprendizagem). E como não podia deixar de ser, um homem estátua, de palhaço vestido, embora de vez em quando fizesse momices com os olhos para divertir a numerosa assistência. Não deixo de admirar a capacidade destes indivíduos para estarem completamente imóveis, tanto mais quanto eu sou um mosquito eléctrico! Ao fundo, junto ao Arco da Rua Augusta, vendia-se artesanato, por pessoal mais limpo e aspecto mais comum do que aquele de ar sujo e maltrapilho que outrora abancava naquele sítio, ao jeito pretensamente hippie.


.Hoje não choveu, apesar do tempo trovoadoresco, pelo que acabámos na Praça da Figueira cheia de gente, na Esplanada dos Irmãos Unidos vizinha da Suiça, mas com pouca variedade de comes e bebes. Por lá apareceu um indivíduo, poeta popular, vendendo meia dúzia de poemas em livro de sua autoria, a quem comprámos um exemplar que dedicou à Susana, depois dele e a minha mãe se terem recitado mútuamente poemas das respectivas autorias. De qualquer modo os dele, em conteúdo, não chegam nem de perto nem de longe aos calcanhares do António Aleixo, algarvio, ou do Calafate, setubalense, pois quanto ao estilo são diferentes.


.O regresso a Paço de Arcos, pela auto-estrada, foi uma limpeza em rapidez, pois Agosto é um bom mês para férias, porque o pessoal sai da cidade, para as suas vacances, havendo pouco trânsito e muitos locais para estacionar.


.Aqui na Tapada do Mocho, como na maioria do concelho de Oeiras, continua a falta de água. Habituamo-nos à facilidade de simplesmente rodarmos uma torneira para obter água em abundância pelo que é um aborrecimento o racionamento e o termos de andar suados e peganhentos por não se poder tomar banho ou termos de nos lavar a prestações.


.Ainda tenho de ir à Rua de Macau, a casa dos meus pais, buscar uns recipientes de água da torneira para fazer face à seca.


Paço de Arcos, 1993.08.19 (5ª feira)

1 comentário:

De Amor e de Terra disse...

Sucede-se o recordar de situações do quotidiano, cuja recordação nos faz reviver o simpático e o antipático de certos dias.



Bj

Maria Mamede