sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Retratos (1) - O meu avô, sempre de preto vestido



* Victor Nogueira
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Eu e o avô Barroso somos muito amigos. Eu pensava que ele era uma pessoa muito sisuda mas afinal também é brincalhão e uma pessoa fala agradavelmente com ele. Ás vezes costumamos falar em francês. (NSF - 1963.01.28).
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O avô é uma pessoa de hábitos e de planos, pelo que qualquer imprevisto o desorienta. É verdade que eu tenho conseguido vencer os seus escrúpulos. Por exemplo, ainda não houve umas férias em que ambos estivéssemos de acordo quanto à minha estadia. Mas acabo sempre por ir quando pretendo e ficar sempre mais uns dias. A questão é saber falar com ele ou pô lo perante factos consumados. De resto eu tenho sempre o meu tio Zé do meu lado, pois quando lá não estou "esta casa parece um túmulo, ninguém fala", etc. De resto o tio Zé diz às vezes porque não fico lá, que já não teríamos questões como da outra vez.[1966] Que aquilo sucedia porque é meu amigo e queria que eu estudasse. Sabes, eu gosto dele, porque estou mais velho e encaro as coisas doutra maneira. (NSF - 1968.07.20)
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(...) São 16 horas e o meu avô já me chamou ali do lado para me pedir um favor, muito de mansinho: que me ajoelhe e beije os pés da imagem. Se o não fizesse seria um escândalo, que as pessoas reparam em tudo: "Então ele é um ateu ?!"
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(...) O compasso veio, as pessoas foram para a sala de entrada. (...) Alguns velhotes detêm se a falar com a sra.Elvira, criada do avô Barroso. Este está muito sorridente, apresenta a filha "que é professora em Luanda" e o neto. Não posso deixar de sorrir me e enternecer me com o ar jovial do avô, enquanto cumprimento "gravemente" as pessoas. (MCG - 1974.04.16)
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.O meu avô Luís comenta a TV. Francamente, supunha que ele era liberal, mas afinal é do tempo da velha senhora, profundamente conservador, contra o post-25 de Abril e adepto da ditadura (ou não tivesse sido legionário). (1) Já o meu avô Barroso defende posições muito mais progressistas, sendo só contra o comunismo ateu que não dá liberdade de religião. Mas diz ele que o importante é que o governo seja justo e que nem todos os regimes comunistas perseguem a religião. Acha muito mal que soltem os PIDES e todos esses reaccionários, que andam a trabalhar na sombra para derrubar a democracia, parecendo lhe injusto que tenham solto o Marcelo [Caetano], no Brasil a gozar dos rendimentos. Ah!Ah!Ah! o meu avô Barroso mais progressista do que eu pensava! Sim, que a gente não ganhava nada com as colónias, era só uma exploração. E que é capaz de eles em Angola e Moçambique não quererem fazer mal aos brancos. E assim o tempo modifica ou rectifica as imagens que temos das pessoas. (MCG - 1974.09.22)
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Meu avô António Barroso (...) filho de lavradores abastados de Barcelos. Casado jovem, guarda livros num banco, passando noites somando intermináveis colunas de cifras e o dinheiro que faltava para tantos filhos. Meu avô, quando jovem, tinha nas fotografias um ar austero e severo, sempre de preto viúvo. Meu avô, já idoso, um ar jovem e sereno, um sorriso moço e tímido, uma fala mansa. um gesto amigo. Viúvo de Francisca da Conceição, de Chaves, que não conheci, casou mais velha, falava francês e tocava piano, alegre e generosa, dizem-me. Minha avó trocou o convento pelo casamento, mas antes deixou os bens aos padres das Oficinas de S. José. Encontraram-se no Porto e muitos filhos tiveram que não conheci senão minha mãe, e meu tio Zé Barroso, grandiloquente e folgazão, curioso e letrado. Minhas tias Marias Almira e José, meu tio Joaquim - estes só conheço das recordações da minha mãe. Meus tios não casaram. Apenas meus pais em Cedofeita se encontraram e para Angola partiram. O meu avô António viveu sempre na Rua dos Bragas e mandou fazer uma casa no Mindelo, perto da praia e de Vila do Conde, com um quarto para a filha, quando o fosse visitar. A casa fechada e abandonada, porque morreu em tempo de Páscoa. Meu avô Barroso era católico ferrenho, apóstolo ingénuo, mas que depois de Abril aceitava os comunistas. (POE - 1985.11.13) (2)
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1 - Meu avô Zé Ferreira, nascido em Mora, filho de comerciante ribatejano, químico analista alegre, jovem, despreocupado, que em menino me levava ao cinema e ao café, e de quem recebia o Pim Pam Pum e o Cavaleiro Andante. Meu avô que eu adorava. Casado com a avó Alzira., gorda e doméstica, natural de Matosinhos; no seu colo me refugiava quando á janela o homem do saco aparecia, na Travessa da Carvalhosa, no Porto. Que morreu quando eu era menino, em Luanda, o meu pai chorando ao volante da carrinha. O meu avô viveu com os filhos em muitas terras, até em Angola, onde nasci. O meu avô Luís agnóstico, livre pensador e tolerante, que não aceita os bolcheviques. Do poema Elegia pela Minha Família Dispersa, escrito em Setúbal.
2 - Do poema Elegia pela Minha Família Dispersa, escrito em Setúbal, em 1985.11.13
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Photomatom - Porto (Palácio de Cristal) - 1963
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ver também
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« 7. - Engano muito propagandeado e mentiras, com algumas linhas sobre D. António Barroso, Bispo do Porto», in
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2 comentários:

Anónimo disse...

Olá :)

Venho por este meio...não , não é uma carta.... venho lhe oferecer mais "estrelinhas doces"... não é preciso comprar...é só passar no meu blog... e deixar uma palavra apenas... para que eu possa responder...pois adoro escrever...e qual o destino e assunto... saber!

estrelinhas doces
Belisa

PS.- Ando à "caça" de + amigos com as "estrelinhas doces" :)-

Anónimo disse...

que giro, o meu também andava sempre de preto e com um chapéu igual
só não tinha bigode, mas tinha um espelho redondo no bolso do casaco para se pentear:)