terça-feira, 9 de outubro de 2007

Ao (es)correr da pena e do olhar (33)

* Victor Nogueira

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Se me ficasse apenas pela aparência do que os meus olhos vêm, a neblina e o cinzento que envolvem a cidade prenunciariam um dia frio, de chuva miúdinha. Mas o suor goticular que permanece à flor da pele sem que se evapore indica que o resto do dia, para além de nublado, será quente e húmido. Uma boa chuvada seguramente que refrescaria o tempo e afastaria este pesado chumbo que me envolve, que em Luanda, na estação quente, prenunciaria grandes e violentas bátegas de água quando não relampejantes e ensurdecedoras trovoadas. Mas este é um país de brandos costumes, de pequenas tempestades, de meias águas e de meias tintas. E depois nem sequer há os quilómetros de areia de praias para mergulhar como na minha terra perdida. Como se não bastassem os ajuntamentos, as praias da costa da Arrábida estão na sua maioria impróprias para consumo devido ao elevado grau de poluição. De modo que ao fim do dia, após o emprego, resta apenas a água fresca do chuveiro.
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Já mudámos de edifício, vai para mês e meio. Agora trabalhamos no centro da cidade, mas as relações entre as pessoas alteraram-se radicalmente no enorme casarão de seis pisos e paredes frias onde se concentraram vários serviços municipais até então espalhados pela cidade. Distribuídos que estamos pelos vários andares com múltiplos corredores e gabinetes, maior é o isolamento pois menos vezes nos cruzamos uns com os outros, para além de se ter tornado menos natural assomarmos e permanecermos nos gabinetes uns dos outros. Fiquei num gabinete pequeno, com o meu colega geógrafo, e porque a sala é pequena e sem estiradores, foi possível torná-lo menos árido e mais acolhedor que os enormes salões onde despejaram engenheiros, arquitectos e desenhadores, perdidos no meio dum espação onde largaram o mobiliário de estilos e feitios díspares.
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E por deambulações, um fim de semana destes, no final de Abril, fui até à Madeira, à terra do Alberto João (Jardim), como lá é conhecido. Tirei algumas fotografias e comprei alguns postais; visitei a ilha quase toda, que em muitos sítios me fazia lembrar terras do continente: aqui as Serras do Gerês ou de Sintra, além a linha do Estoril, acolá a Serra da Arrábida ou os socalcos dos vinhedos do Rio Douro.
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Mas não gostaria de viver numa ilha, especialmente numa ilha tão alcantilada e sem uma única praia, que só existem na Ilha de Porto Santo, onde não fui. Novidade novidade para mim foi ter estado no interior árido da cratera dum vulcão extinto - o Curral das Freiras - ou ver o mar lá em baixo, a 500 metros, na berma duma estreita e sinuosa estrada ou passar com relativa rapidez da beira-mar ao cimo do monte, do calor ao frio relativo, serpenteando pelas estradas sinuosas onde nalguns sítios não cabem dois carros lado a lado. Mas o isolamento das várias povoações tem sido ultrapassado pela construção de túneis e viadutos, que encurtam as distâncias mas normalizam os usos e costumes. Vi poucas flores, salvo em Santana e nos jardins do Funchal. De resto a ilha é duma vegetação luxuriante nalgumas zonas e duma enorme aridez noutras.
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Quanto às povoações, nada de especial têm quanto ao estilo dos edifícios, que na maioria dos casos se confundem com os de qualquer dormitório de vivendas sem qualidade nos arredores duma qualquer grande cidade do continente. Santana, para turista ver, conserva alguns exemplares das primitivas casas, de alçado triangular como no Norte da Europa, com telhado de colmo e paredes de madeira. Também no centro do Funchal as casas fazem lembrar as do Norte de Portugal, o que indicia que os primeiros povoadores (e os seguintes) teriam vindo lá de cima. Á noite esta cidade também é bonita, com as luzes cintilando pela íngreme encosta acima.
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Mas nem tudo são belezas; há miséria e gente a pedir em muitas terras do interior e no Funchal os meninos pobres que habitam o alto da encosta descem à cidade para a prostituição e o roubo; aliás aqui há tempos foi exibido nos cinemas e na televisão um filme, que não vi, sobre a vida destas crianças, salvo erro denominado Mário.
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Setúbal, 94.06.15

1 comentário:

De Amor e de Terra disse...

Também não gostaria de viver numa ilha e nunca fui à Madeira; embora gostasse, a verdade é que quando puder (se puder) gostaria de visitar primeiro os Açores, que segundo me dizem, ainda não são tanto para "Turista ver", como a Madeira.

Maria Mamede