quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Retratos (12) - Dia do correio

* Victor Nogueira
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São 12:30. [Em Paço de Arcos] ouço o portão chiar e assomo à janela ... e não vejo ninguém (Algum miúdo que entrou e saiu, penso eu). Mas eis que batem com a aldraba na porta. Abro-a e lá está o carteiro no gesto habitual, mão estendida com as cartas (hoje, apenas carta!) Cumprimentamo-nos e agradecemos mutuamente. Fecho a porta. Regresso à sala de estar, pego na tesoura para abrir o sobrescrito, que resguarda as notícias da Celeste. "Olá, mocinho! Tenho apenas 21 anos dizem-me (a idade das, de algumas liberdades consentidas) ... " e continuo numa surpresa crescente, como a quem se revela numa faceta até aí ignorada. Todo eu sou uma crescente surpresa estupefacta! Apago o gira discos - que transmite canções do Nelson Eddy. Estou agradavelmente surpreendido e preciso de concentrar me para perceber isto tudo, estas linhas inabituais. Volto ao princípio. Releio com os olhos, com a inteligência, com sofreguidão, com todo o meu ser, para aperceber me duma Celeste desconhecida. Surpreso, não tanto pelo conteúdo, mas pela forma, pela linguagem invulgar (nela). É verdade que há alguns "senãos". (Não me apercebi ainda, p.exemplo, que ela soubesse que existe uma "certa técnica" aprendida, de beijar). Continuo a ler e, repentinamente, tudo se desmorona, numa enorme decepção. "Não Victor, tens razão, o palavreado não é meu ... "
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Resta-me pois saber como é a personagem dum conto de [Urbano] Tavares Rodrigues com quem te queres identificar. É uma curiosidade desenganada que fica em mim. (MCG - 1972.09.06) - Paço de Arcos

1 comentário:

De Amor e de Terra disse...

Mesmo não sendo "nossa" a escrita, sempre dirá um pouco de cada um que a escolhe, uma vez que diz do gosto ou do "amoque" momentâneo...
e nada é por acaso, já que quanto a mim, acasos não existem!

Bj

Maria Mamede