sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Ao (es)correr da pena e do olhar (24)

* Victor Nogueira
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Acordei mal disposto e cansado, o que de resto me sucede desde domingo, tal como antes de férias. Para além disso hoje acordei de madrugada cheio de frio, pelo que resolvi fechar a janela da cozinha. Voltei a acordar mais tarde, continuando com frio até descobrir que a janela do quarto da Susana também estava aberta. De qualquer modo não se perdeu tudo e assisti ao nascer do sol antes de voltar a deitar-me, acordando tarde. Antigamente e nas férias levantava-me mal acordava. Mas agora não tenho prazer em levantar-me em tempo de trabalho como este que (não) tenho presentemente.
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O primeiro dia de trabalho está terminado e parece que as férias foram há muito tempo. O regresso foi como sempre: bacalhoadas para a direita, algumas beijocas para a esquerda, um sucinto relatório das mesmas com perguntas idênticas ao(s) interlocutor(es) e interrogações sobre as fotografias de férias. Vá lá que a arquitecta Nina, que foi ao Brasil ver a família e mostrar a Mariana, a criancinha que é o enlevo dela como mãe babosa, não se esqueceu das moedas para a minha colecção.
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Para além disso foi um dia de grande chateação. A minha secretária estava limpa e arrumada, tal como a deixara. Embora tenham deixado de distribuir-me trabalho, a minha categoria profissional dá-me liberdade para apresentar e desenvolver propostas e projectos de trabalho. Mas isto exige um mínimo de meios que não me dão ou retiram., para me cortarem a veleidade de fazer qualquer coisa. Há uns três anos tiraram-me o apoio administrativo e há dois meses o computador. Sem ovos é difícil fazer omeletes. Ás 17:00 horas, farto da pasmaceira geral, de conversa para encher tempo e sem nada para fazer, disse adeus ao pessoal e fui curtir a minha chateação e desalento para o Jumbo, para comprar fruta, peixe, iogurtes, queijo, manteiga e algumas coisas mais.
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Hoje estou nos meus dias de pedrada. E quando tal acontece aborrece-me estar sozinho. embora não me apeteça estar com qualquer pessoa. Como frequentemente a vizinha Maria apareceu aqui ao fim da tarde, com o filho mais novo, que é um miúdo muito engraçado e palrador, com uma grande amizade por mim, o que de resto acontece com muitos miúdos. Tenho sido uma espécie de pai e mãe da Maria, que aliás é a única vizinha que se oferece para me ajudar ou que me traz presentes: um bibelot, um queijo, fruta ou uns enchidos da terra, um prato de arroz doce ou um petisco do Alentejo. Mas hoje eu estava com uma grande chateação de modo que nem os problemas financeiros da Maria nem a sua simpatia e preocupação pelo meu mutismo e ar fechado me levantaram o moral. Fui telefonando a outras pessoas, mas nem por isso a neura passou.
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Pois uma coisa são as amigas e os amigos, os colegas de trabalho, os filhos. Outra, bem diferente, é a namorada, o amante, a companheira, que permite a expressão duma outra parte do nosso ser e a expansão da nossa personalidade.
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Não gosto de estar sozinho e por isso gostava de ter uma namorada em quem pudesse confiar, que estivesse ao alcance da voz e do gesto de amizade e carinho mútuos, que me procurasse, que me acolhesse e que ficasse contente quando a procuro. Uma namorada para quem eu fosse tão importante como importante ela seria para mim. Porque todas as idades são boas para as pessoas se enamorarem com entusiasmo, serenidade e leveza de coração e não com este desalento. Porque uma coisa é saber com segurança que naquele dia ou naquela hora vou estar ou sair com ela e assim organizar o dia-a-dia, domesticando o desejo de estar com a pessoa de quem gosto. Outra, bem amarga, é a incerteza, a insegurança e os mal-entendidos relativamente à pessoa de quem gostamos e que escolhemos de entre todas.
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Há um poema que escrevi uma vez a propósito de Joana Com Sabor a Cravo e Canela e que de algum modo exprime esta ideia:
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Todo o dia esperei por ti
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(...)
Todo o dia esperei por ti e dói-me a tua ausência!
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Setúbal, 1993.09.08/09

2 comentários:

Filoxera disse...

Todos temos as nossas neuras...
Espero que tenha passado; se não, há-de passar, é preciso não lhe dar muita importância, provavelmente.

De Amor e de Terra disse...

É Victor; realmente há coisas que fazem falta, seja qual for a nossa idade e/ou a data em que se escreveu...



Maria Mamede