segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Ao (es)correr da pena e do olhar (9)

* Victor Nogueira
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(...) No dia dos meus anos recebi quatro postais, cada um no seu género, que muito apreciei - o da Maria do Mar, o da Noémia, o da minha mãe e um colectivo, do pessoal do Departamento de Pessoal, este acompanhado dum cachecol.
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Gostei muito deste último postal, que tinha um poema, votos de feliz aniversário e beijos, seguidos de doze assinaturas. O poema, intitulado Livres, dizia:
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Somos livres perante o Sol do dia.
E livres perante as estrelas da noite:
E somos ainda livres quando não há sol
nem luar nem estrelas.
Somos ainda livres quando fechamos
nossos olhos a tudo quanto existe.
Mas somos escravos do que amamos:
Porque amamos:
E escravos do amor porque
amamos.
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Este "meu" pessoal é muito "romântico": o ano passado ofereceram-me um LP com tangos do Carlos Gardel, quatro álbuns de banda desenhada e um coração recortado com votos de parabéns e as assinaturas de todos eles e elas.
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Mas este ano, como já não estou no Departamento de Pessoal e me mandaram as "prendas" pelo correio interno, retribuí do mesmo modo, inventando um "cartão" á hora do almoço.
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No fim destas "férias" todas ainda consegui que me sobrassem dois dias para gozar no primeiro trimestre deste ano.
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Vou ainda ler dois álbuns de BD do Lucky Luke: um deles é A Noiva de Lucky Luke, em cujas histórias não aparecem normalmente mulheres, pois ele é um cowboy solitário, muito longe de casa. Houve três excepções: Calamity Jane (vaqueira, pistoleira e prostituta) e Sarah Bernardt (actriz), ambas com existência real. Mas neste A Noiva de Lucky Luke o autor é de um reacionarismo atroz, apresentando as mulheres como frívolas, sem cabeça, e uma "manada" conduzida pelo herói, atravessando os Estados Unidos à procura de marido, facto que é real. (...)
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Vi na TV dois filmes de que gostei: Nova Geração (American Grafitti), enternecedor, sobre os amores dos adolescentes, e O Lugar do Morto, estilo policial e passado em Lisboa.
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Setúbal, 1987.01.08
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NOTA - Nesta altura já o PS, ao ganhar a maioria na Câmara, já me tinha saneado, por razões meramente partidárias, de Dirigente do Departamento de Pessoal, colocando-me na prateleira A sanha contra os comunistas era tal que até sanearam malta do PSD , com quem estavam coligados, por se recusarem a deixar de falar com os comunas. E só não sanearam os meus colaboradores directos que, nem de longe nem de perto, nada tinham a ver com o PCP, porque alguém teve juízo e parou aquela onda fascizante. Há três coisas de que me orgulho - dos meus colaboradores terem feito um abaixo assinado que entregaram ao Presidente da Câmara, senhor Mata Cáceres, manifestando o seu apoio à minha permanência na Direcção do Departamento, dum encarregado anticomunista que disse à filha para falar comigo para ajudá-la a resolver questões laborais, porque eu era uma pessoa séria e que merecia confiança, e dos próprios PS que me diziam «Enquanto o Doutor lá esteve resolveu os problemas dos comunistas mas resolveu também os nossos. Mas estes (PS/PSD) nem os nossos resolvem». Durante muitos anos, quando ia ao Departamento de Pessoal, tratavam-me ou interpelavam-me por «Chefe» e quando retorquia que já não era chefe respondiam-me «Para nós é sempre o nosso Chefe»
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Talvez escrever isto vos pareça falta de humildade, mas eu entendo como uma homenagem à seriedade dos comunistas, que não sendo perfeitos, têm também algumas virtudes e não são gente sinistra e acéfala, com destino ao paredão de fuzilamento. (VN)

2 comentários:

De Amor e de Terra disse...

Infelizmente houve tanta coisa injusta, por causa de velhos "ódios"...e continua havendo;é preciso ter um grande coração para não criar ódios novos.
Por inveja, por rancor,por ganância, vai-se cometendo injustiças, seja qual for o partido no poder(e em certas alturas pior).
Pena que não se saiba(ou não se queira) fazer destrinças.
Também fui perseguida,não por filiação, mas por falar de justiça e injustiça...
Coisas do tempo!

Maria Mamede

Belisa disse...

Olá:-)
e
obrigado pela explicação, a partir daqui irei investigar mais.
Nada melhor que o nosso dia de anos e a nossa liberdade de entre outras coisas como por exemplo sermos justos,dentro do possível, lutarmos pelos nossos ideais e sermos competentes naquilo que fazemos, são coisas que prezo muito.
Beijinhos estrelados