quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Ao (es)correr da pena e do olhar (22)

* Victor Nogueira
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Depois de chegar a este casarão onde vivo, pus a Cesária Évora no leitor de CD's e dei comigo a bailar ao som da música de Cabo Verde, maneira de descontrair e quebrar a tensão e os rios de lágrimas. De resto a música serve muitas vezes para me descontrair. Agora, estou na ressaca, como quem apanhou uma sova. A propósito, comprei um CD com música do Mendelssohn para oferecer á Maria do Mar. Trata-se de Sonho de Uma Noite de Verão e de Sinfonia A Italiana.
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Bem daqui a pouco vou interromper para ver um filme policial na televisão. Entretanto apareceu o Caló, o miúdo de quem falei em tempos, para visitar o grande amigo dele, que sou eu. Abancou ali numa cadeira a ver fotografias, comentando-as em voz alta, com perguntas e grandes exclamações. Agora fez uma interrogação enorme por causa dum bicho que nunca tinha visto: um perú. Entretanto viu umas fotografias de esculturas feitas pelo meu irmão e diz que não acredita que ele as tenha feito, respondendo que não, que não me estava a chamar mentiroso, mas lá que não acreditava, não acreditava, acrescentando «Mas o meu pai sabe desenhar». Vai daí, disse-lhe: «Eu não sei desenhar nem cuidar de ovelhas como o teu pai mas escrevo melhor que ele.» Não acreditou. Que escrevesse Fernando ali num papel. Disse-lhe, apontando para o meu volumoso livro de poemas: «Então não vês que escrevi aquele livro?». Respondeu-me: «Ah! mas isso não é escrever, isso foi feito no computador». Claro que para o Caló não saberei escrever, tanto mais quanto ele não será capaz de ler os meus hieroglifos. Depois perguntou-me onde é que eu trabalhava e respondi-lhe que na Câmara. Exclamou ele: «Ah! Apanhas o lixo!» No prédio dele mora um cantoneiro de limpeza do Município, o Ramiro. Respondi-lhe que não, que trabalhava num escritório, o que nada lhe terá dito pois não deve conhecer a palavra e muito menos o que faz um sociólogo. Enfim !
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Bem, lá voltei aqui depois de ver o filme Armadilha Mortal, com suspense e surpresas no enredo umas atrás das outras. Os principais intérpretes eram o Michael Caine, que aprecio, e o Cristopher Reeve (o Super-Homem, que acho um canastrão). Entretanto revi o texto anterior e reparo agora que já é uma da matina, pelo que vou sozinhito para Vale de Lençóis. A lavagem da louça do jantar fica para amanhã.
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Hoje resolvi fazer uma bruta omolete de camarão com cebola picada, salsa e queijo ralado. Não ficou mal, mas deveria ter posto menos azeite na frigideira. Menos sorte tive ontem, que me distraí e não ouvi o marcador de tempo, pelo que os raviolli pegaram ao fundo do tacho e ficaram um amontoado esquisito e sem graça. Ora, mas só não faz asneira quem não cozinha, não é ?
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Já é um novo dia, dum sábado soalheiro mas coberto com uma leve neblina. Continuo rouco, com a garganta irritada e tosse, desde que anteontem saí do consultório médico.
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Já é meio da tarde. Enquanto escrevo estou distraído. Como sempre fui comprar os jornais, mas desta feita não fui lê-los para debaixo duma árvore na estrada da Figueirinha ou no cimo das escarpas de S.Nicolau, com o Rio Sado e a Serra da Arrábida ao fundo. Não, desta vez fiquei-me pelo porto de pesca, mas como o tempo se tornara de trovoada quente e desagradável, mudei para debaixo duma árvore do degradado Parque José Afonso, agora transformado em parque de estacionamento automóvel, embora hoje quase vazio.
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Depois, bem depois resolvi almoçar um prato africano, moamba de galinha com farinha de pau, num restaurante aqui perto de casa. Faço isso normalmente uma vez por semana, para variar e porque me aborrece tomar as refeições sistemáticamente sozinho. Mas desta vez o único comensal era eu, mas ao menos comi um prato que não sei cozinhar e não me preocupei com a arrumação da cozinha.
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Com isto tudo já são oito e trinta da noite, o Fausto toca Por este Rio Acima, um álbum que aprecio, e vão sendo horas de fazer o jantar, hoje será bacalhau á Brás.
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Setúbal, 1993.09.10/11

2 comentários:

De Amor e de Terra disse...

Neste dia, a escrita do Diário é menos triste...
talvez porque a época do "adeus" ainda não tinha chegado...

E flares dos cozinhados, tem graça!


Maria Mamede

Belisa disse...

OLá

Gosto de ler, este "correr da pena"... e gosto também de Cesária èvoria e do album de Fausto.

Beijos estrelados