Segunda-feira, 26 de Novembro de 2007
Para que a memória não esqueça (2) - A Crise dos Finalistas
No verão de 1996 resolvi não ir de férias. Nesse ano não tinha companhia nem dinheiro e não me apetecia ir para o Mindelo. "Fechado" em Setúbal, resolvi escrever um livro de viagens a partir dos meus postais ilustrados que reavera, escritos sobretudo para casa em Luanda ou para a mãe do Rui e da Susana. Finda esta tarefa, o tempo ainda disponível levou‑me a ler as cartas que reavera ou estavam em computador e rascunhos ou "abandonos" de outras para recolher mais material, quer para o livro de viagens, quer para outros, com diferente temática.
Depois, qual trabalho de Sísifo ou pena de Prometeu, a tarefa foi-se desenvolvendo, pois havia terras onde estivera e que não figuravam na minha produção epistolar. Vai daí, passei a pente fino as minhas fotografias e vários recortes, folhetos e livros de "viagens", para relembrar e assim escrever novas notas. Deste modo o meu "livro" foi crescendo, página sobre página. Pelas minhas fotografias descobri terras onde estivera e juraria a pés juntos que não, mas doutras apenas o nome figura na minha memória; o nome e nada mais. Disso dou por vezes conta nas linhas seguintes.
Mas não tendo sido os deuses do Olimpo a impor‑me este trabalho, é chegada a hora de lhe por termo. Doutras viagens darão conta edições refundidas ou novos livros, se para tal houver tempo e paciência.
in - APONTAMENTOS DE VIAGEM E DA VIDA QUOTIDIANA
Os textos epistolares deram origem a vários «livros», uns já trabalhados, como aquele a que se refere o anterior prefácio, e outros ainda em bruto, como o que se intitula «Os dias da (pré)Revolução». [1] Mas os «meus» livros não são tratados de ciência política nem memórias (com)sequentes daquele tempo, antes recolha fragmentada e reordenada das cartas que escrevi, sobretudo para casa e para a Celeste. Naquele tempo escrevia muito. Quase todos os dias para a Celeste e todas as semanas para casa e para muitos amigos e amigas, nos intervalos ou fragmentos de tempo entre as aulas, a política, a associação dos estudantes, o estudo, o café, o quarto, o cinema e as sessões culturais, a piscina no Verão e as viagens. E as cartas eram escritas ao sabor do tempo, não temáticas, e apenas o corte e cola permite organizar «borrões», uns já mais trabalhados que outros, que talvez não dêem origem a qualquer obra que não tenha uma circulação muito restrita.
As reticências não são censura, apenas omissão na transcrição de pedaços de texto desnecessários. Quanto ao meu «dever», terás de esperar por «disposição» para escrever as memórias daquele tempo; tirando o livro que os jesuítas publicaram na sequência do encerramento post 25 de Abril do ISESE, restam as memórias que um dia pensei recolher de «outrens», mas onde estão eles? As histórias, dispersas, cada vez mais perdidas nas brumas dos tempos e da memória, e uma parte dos arquivos da AE, está comigo e não sei a quem entregar. A outra parte ficou salvo erro com B. C., de quem nunca mais soube.
Pois é, da única escola de sociologia anterior ao 25 de Abril, para formar quadros capitalistas, não se fala, morreu! Para a História o verbo é o ISCSTE, mas era em Évora, antes do verbo aparecer e se impor, que se podia dissertar livremente sobre o materialismo dialético (em História das Teorias Políticas e em Teorias Sociológicas) e onde se dava a economia marxista com a mais valia travestidada de DELTA (donde vem este delta, perguntava teatral o Armando Nogueira nas aulas de Economia II) e Sociologia Urbana numa perspectiva marxista, por um jesuíta basco.
É assim a vida, pá! Tu dirigente bancário e eu técnico emprateleirado desde vai para 20 anos! Ambos no remanso.
É verdade que apareces pouco nos meus textos de então, talvez porque não fizesses vida de café como eu, o Camilo, o Carlos e alguns outros. Mas se vivi em Évora, tal como aqueles, tu fazes parte da minha vida e das minhas memórias, nas lutas que travámos, sobretudo na Associação de Estudantes, e na amizade que por ti tenho, apesar da distância e do afastamento. Daquele tempos restam apenas tu e o Carlos P. E a Emília, dos dois anos em que estive em Económicas, em Lisboa.
E quanto ao teu processo disciplinar, estarias acompanhado, caso não nos valesse, se necessário, a Isabel Pimentel, [2] sobrinha do Conde de Vilalva, que estava solidária connosco na Direcção da AE. Nesse conturbado tempo o «Ginja» sj nas aulas clamava em vão que ou os estudantes demitiam a Direcção da AE ou eles a demitiam, enquanto o Pe. Borges sj entendia o “Bisturi” não como instrumento de dissecação/análise mas como instrumento de destruição Ainda tenho para aí alguns exemplares do «nosso» jornal, que ainda hoje me parece bem feito e muito violento, apesar da sua «delicadeza». Pois é, mas o V. G. era o aterrorizado Presidente da Assembleia Geral da AE e lá lhe fomos dizendo - tu e eu - como deveria fazer para nos livrarmos da expulsão, embora tenha dúvidas que os jesuítas estivessem interessados em «ondas». E lá ficou o aterrorizado G, com os louros, os outros dizendo: «Ah! Que inteligente que foi o G., conseguiu sanar tudo»!
Deixo-te as notas dispersas, ainda não trabalhadas definitivamente, duma parte do meu «livro de viagens e da vida quotidiana», que intitulei «Évoraburgomedieval». Algumas passagens já constavam do mail que deu origem aos teus comentários.
E já que estás no remanso, podes começar a completar as memórias daquele tempo.
Um abraço
VN
Setúbal, 2 Setembro 2005
[1] - Outros são os Retratos, Ao Correr da Pena, Artes, para além de Viagens. Também há os trabalhos académicos, Estudos, Os Textos de Intervenção Política e Social, para além das Cartas do Epistolário Especial e os Textos Profissionais. Ah! e as Fotografias. Quando eu morrer irá tudo para o lixo. Não haverá arcas, como a do Pessoa!
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[2] - ver
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