sábado, 27 de agosto de 2011

évoraburgomedieval no antigamente (5)




por Victor Nogueira a Sábado, 27 de Agosto de 2011 às 1:34
* Victor Nogueira

A mesa do café não é propriamente um local de recolhimento e, em sentando -e o primeiro, logo chegam os outros. Resultado: muitas vezes os trabalhos têm de ser interrompidos. (MCG - 1973.11.12)
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Ali ao lado o [Luís] Carmelo submete o Carlos a testes de inteligência. Pelas mesas vizinhas malta conversa ou estuda; as vozes do Camilo e do João Luís sobressaem aqui na mesa atrás de mim. (MCG - 1973.11.16)
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Na pequena salinha do   café do senhor Gonçalves (1) (é outro que não o da Raymond Street) alguns clientes assistem à televisão ali por cima do balcão: o Jorge Alves apresenta o programa da próxima semana. O [Emídio] Guerreiro queixa se que a sopa está quente (...).
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Comecei hoje a comer aqui neste café, junto ao jardim infantil, entre a Praça de Touros e o Rossio [de S. Brás]. O almoço estava saboroso. Esperemos que assim continue. Ali numa mesa ao lado um grupo de jovens vê uma colecção de fotografias pornográficas, que de vez em quando mostram a outros noutra mesa, cruzando o meu campo de visão. Entretanto a TV transmite um documentário sobre a guerra israelo-árabe, prendendo a atenção dos clientes. (...) Na televisão sereias soam numa cidade síria, sobrevoada por aviões israelitas que a bombardeiam. Escombros e feridos enchem o ecrã.
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Nas obras que se fazem no novo edifício do Instituto, ao deitar-se uma parede abaixo, descobriu-se uma capela quinhentista. Fomos lá hoje para visitá-la mas já estava novamente emparedada. O edifício deve ter sido reconstruído sobre as ruínas de outro (fenómeno normal em Évora) e a capela fica abaixo do solo, na rua que passa nas traseiras do Instituto (Travessa das Casas Pintadas) (MCG - 1973.11.21)
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Levanto os olhos e vejo muitos magalas, na sua farda verde oliva. Andam também pelas ruas, aos grupos, espalhafatosos, como quem já tem o seu grão na asa. "Cheira-me" que haverá dentro em breve mais um contingente para a guerra em África. Alguns escrevem, curvados sobre o papel, a caneta firme na mão, como quem não está habituado a frequentes escrituras. Parecem rapazes muito novinhos; uns conversam, irrequietamente, outros têm um ar absorto, ausente.
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O barulho invade-me e cansa-me. Há pouco, dei de repente com um silêncio gradual, profundo. Levantei os olhos do papel e era um magote de gente à volta duma mesa, em pé. Um silêncio em crescendo gradual. Gente levantando-se, esticando o pescoço. Continuo a escrever. Alguém se deve ter sentido mal, mas o meu curso de primeiros socorros já tem oito anos. Um homem sai do meio do magote, os seus lábios mexem-se e leio "Desculpe-me" a mão passada pela testa como quem tem suores ou tonturas. Sai pela porta giratória (há pouco atrás de mim) e perde-se na noite das arcadas. (MCG - 1973.11.26)
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O chão do café está um autêntico chiqueiro. Juncado de papéis, beatas e fósforos. E terra. (MCG - 1973.11.27 A)
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Os magalas ainda não embarcaram, continuando a encher ruas e cafés.  Cheguei há instantes da tabacaria, onde confirmei um anti-slogan: "Não telefone, vá!" Uma hora, foi o tempo que levei para conseguir uma chamada para Lisboa. (...) A gasolina é quase como agulha em palheiro para encontrá-la. Está praticamente esgotada em Évora ou Lisboa. P'rá semana há mais! Domingo passado, segundo o Carlos, às 4 da tarde já havia 3 ou 4 carros parados numa bomba aguardando pela meia noite para poderem seguir rumo a Lisboa. No regresso de Portalegre tiveram de juntar se lhes. (...)
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Hoje à tarde  o dono do Zé do Casarão estava furioso, telefonando quando por lá passei a comprar o "Comércio do Funchal" (agora gastando páginas numa inútil polémica com a "República"; uma guerra de alecrim e manjerona!). E o senhor desabafou comigo. Estava furioso com o chefe da PIDE. Que mandou lá buscar o último fascículo da "Enciclopédia do Vilhena", que foi devolvido meia hora depois, por um contínuo, que disse: "O senhor chefe diz que pode vender!" Ah! Ah! Ah! Porque, dizia o Zé, isto é um abuso. Se queria ler, pedia-mo emprestado. Porque ele não tem competência para decidir ou não da apreensão de revistas e livros, sem autorização do Ministro do Interior." Ah! Ah! Ah! E acrescento-lhe eu [com a minha habitual ironia]: "E de qualquer modo não podia levá-lo sem levantar um auto de apreensão" E lá deixei o Zé, furioso, telefonando não sei para quem." (MCG - 1973.11.27)
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Chegados a Évora  a 1ª bomba de gasolina ostentava ainda (?) o fatídico "Esgotado"; na 2ª uma longa fila de automóveis estendia-se desde a Porta do Raimundo à Porta de Alconchel. Mais uns metros adiante um auto-tanque da SACOR enfiava pela estação de serviço (à saída para Lisboa) e num ápice 6 automóveis iniciaram uma bicha. Azar, que o empregado logo disse que só amanhã, às 8 da matina. E assim saímos do 5º lugar. É o que eu digo: a continuar assim a gasolina esgota-se ainda mesmo antes de haver. (MCG - 1973.12.03)
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Há gasolina à farta nas bombas de Évora e acabaram as bichas. (MCG - 1973.12.04)
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Ao entardecer a Rua do Raimundo é um espectáculo ao descê-la. Não gosto de Évora, porque não se vê o mar, nem a relva, nem as árvores, mas só pedras. Évora é um círculo que nos esmaga e constrange.
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Mas o espectáculo da Rua do Raimundo, quando a descemos ao entardecer!... O sol põe-se mas o céu ainda é azul, com dois luzeiros brancos cintilando. Um arco vaporoso tingido de encarnado - rasto dum avião - cruza o céu da rua, de casa a casa. O horizonte é um encarnado pálido e as ruas são brancas e as pessoas, passando, quase fantasmagóricas.
(... )
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E então, que me dizes ao aumento do preço do petróleo e seus derivados? (Lá para Abril deve haver mais. Olarilas!). A velhota dos jornais ali às portas do Arcada já desabafou comigo esta manhã: não haver um raio que os partisse! Há 10 dias encomendara uma garrafa de gás; está cozinhando a lenha. Que só na 3ª feira. "Os patifes, os espertalhões, já sabiam disto e obrigam-me a pagar o gás mais caro!" Como dizia o Carmelo, muito solene e sisudo na sua pose à mesa do café: "Isto está cada vez pior!" (MCG - 1974.01.03)
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(...)  A fotografia é antiga! Não parece! Mas... a cerca da fonte já não é assim e o táxi (1º) já não existe. Também as motorizadas já não param no topo do tabuleiro. A indumentária das pessoas e a esplanada defronte do "Diana" indicam que é Verão! Eis aqui a célebre Praça do Giraldo, o local que os meus pés mais têm calcorreado. É sábado e estou jantando. Este fim-de-semana foi um pouco "chocho". A semana passada houve uma boa peça de teatro (O Amigo do Povo) e um filme a ver (O Espantalho). Esta semana, nada. Enfim. Por mero acaso integrámo-nos numa das visitas guiadas do Túlio Espanca. Mais duas igrejas visitadas. (MCG - 1974.01.18)
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(...) Por cá também, o nevoeiro (e o frio) dão aos dias características verdadeiramente invernais. Ontem à noite o frio era tal que ao entrar no Arcada fiquei subitamente sem visão. Mas não haja cuidado, pois foram as lentes que se embaciaram [repentinamente]. (MCG - 1974.01.23)
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(...) O soalho está molhado. Lá fora chove, um homem, eufórico, está com uma conversa parva ali ao telefone (deve ser com uma rapariga). O Luís entra e cumprimenta-me. Escrevo nos joelhos, aqui na tabacaria da esquina, pois a escrivaninha está ocupada. Acabei de jantar no Arcada com o João Luís e a Filomena. Detesto comer naquela cave abominável, sem janelas. Também estou farto de gabardinas e casacos, que prendem os movimentos. (MCG - 1974.01.28)
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O sol tenta romper o cinzento carregado de chuva, mas em vão. Acordei hoje ao som de catadupas de água [à tarde o sol descobriu e o céu azulou]. Quase um dilúvio que encherá ali a barragem do Divor, livrando-nos da água sabendo a peixe. Já não era sem tempo. Chegámos pouco antes das 22 horas.
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No Arcada o João [Garcia], a Filomena, o Camilo, o Zé Pinto, o Ribeiro, o "Chinês" e o irmão cantavam em coro desde as cantiguinhas da primária ("Ó Rosa, arredonda a saia", "Tia Anica de Loulé"...) às excursionistas ("Santa Catarina", "Rapsódia Portuguesa"...) passando por cânticos gregorianos e pelos coros alentejanos e canções da Beira Baixa. Enfim, uma grande audição, no café cheio e entretido com outros assuntos. (MCG - 1974.02.11)
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Ontem fui à ópera com o Carlos [Nunes da Ponte] e duas das suas amigas. Uma borracheira: cantaram trechos de árias dos dois primeiros actos da Traviata, sem cenários. O 3º acto foi representado integralmente, com cenários improvisados. Orquestra não havia - o acompanhamento era ao piano. O espectáculo foi promovido pela FNAT. No camarote ao lado do meu ficou o dr. Cabral, delegado do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, que num intervalo me pediu a opinião. Coitado, está com azar, porque não me coibi de dizer-lhe o que pensava da "história". (MCG - 1974.02.16)
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Hoje foi o Dia da Polícia e está explicado porquê toda a semana têm desfilado pelas ruas da cidade: preparação do grande acontecimentoem que estrearam os capacetes cinzentos com viseira protectora, espingarda de baioneta calada ao ombro, deixando, na esquadra, o escudo protector das pedradas dos manifestantes. 50 000 mil contos teria sido a quantia gasta nos últimos tempos pelo Governo para equipar a polícia. Ah! Ah! Os tempos vão desassossegados! (1974.03.12)
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O dia hoje está soalheiro. Regressei há pouco a casa; os jornais esgotaram. A RTP noticiou que na madrugada de ontem houve um levantamento militar nas Caldas da Rainha, após uma semana de grande confusão. (...) Segundo a BBC o Movimento das Caldas [16 de MARÇO] pretendia exigir a demissão do Presidente da República [Almirante Américo Tomás](1974.03.17)
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Dizia a BBC ontem que prosseguia o "julgamento" das 3  (Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa) autoras dum livro chamado "Novas Cartas Portuguesas” sobre problemas da mulher portuguesa, que a acusação pública considera pornográfico e ofensivo da moral e dos bons costumes.
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Mas uma das testemunhas de defesa, Maria Emília... , afirmou que ofensivo da moral e dos bons costumes era o facto duma mulher não poder andar na rua e transportes públicos em Lisboa (e em Évora ?) sem ouvir piropos indecorosos e ser apalpada. Referiu também as vantagens que os homens da classe alta tiram impunemente da sua posição sobre as jovens das classes inferiores. (MCG - 1974.03.21)
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Vim até aqui ao Arcada, muito barulhento. Está um dia bonito, cheio de sol. Évora está cheia de miúdas, aos bandos. (MCG - 1974.03.31)
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1 - Café do Parque?

PIDE/DGS
Guerra Colonial
Programa Zip Zip, uma pedrada no Charco (Carlos Cruz, Raúl Solnado e Fialho Gouveia)
Grande Enciclopédia do Vilhena
Derrota do Golpe das Caldas - 16 de Março de 1974
Marcel Caetano numa das televisivas "conversas em Família"


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Paula Pereira e Alice Coelho gostam disto.

João Gonçalves, Isabel Magalhães, João Carrapiço e 4 outras pessoas gostam disto.

Alice Coelho obrigado por mais um excelente texto.....** abraço
Sábado às 5:04 · Não gosto · 1 pessoa

Celino Silva Gostei. A história do Zé do Casarão é deliciosa.
Sábado às 9:36 · Não gosto · 1 pessoa

Antonio Garrochinho maravilhoso camarada Victor ! é um prazer ler os seus trabalhos ! bom sábado amigo !
Sábado às 11:07 · Não gosto · 1 pessoa

Paula Pereira Muito Bom Victor !
Sábado às 11:22 · Não gosto · 1 pessoa

Carmen Montesino Obrigada, Victor! Um beijinho : )
Sábado às 15:49 · Não gosto · 1 pessoa

João Gonçalves Está maravilhoso e concordo com o Celino pois a história do Zé do Casarão é fenomenal.Tudo bem mas na escrita que fazes das Caldas da Rainha estave eu no serviço militar obrigatório em Chaves aonde dempenhava funções de comando. Bom fim de semana.
há 10 horas · Não gosto · 1 pessoa
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