terça-feira, 7 de agosto de 2007

inFELICIDADE

* Victor Nogueira
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Ontem, que já é anteontem, falaste sobre a felicidade em contraponto a uma pretensa atitude de infelicidade minha. Não me considero infeliz. Vou vivendo, melhor que muita gente, embora não tão desafogadamente como outros ou do modo que eu preferiria. Diferente da infelicidade é o desencanto pela falta de solidariedade e de humanidade crescentes nesta sociedade em que estamos. E desencanto tenho, por vezes muito, por vezes em demasia. O que não significa que não tenha tido momentos de alegria e serenidade. Alguns deles contigo, apesar de tudo. E talvez parvamente e sem razão eu persiga em ti a crença ou a esperança de que teria sido (seria) possível ter sido (ser) feliz contigo, como amigo ou como amador e ser amado. Mas isto, querida amiga, só teria resposta se outra fosse a nossa relação. A isso (...) só a convivência límpida e no dia-a-dia teria dado resposta.
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Apesar de tudo, acredito que é possível as pessoas serem felizes. Por muito breve que seja a felicidade. Porque entendo que os homens e as mulheres não foram feitos para estarem sozinhos ou viverem solitariamente. Por isso, na breve passagem nossa por este mundo, é preferível, digamos, um ano de felicidade, mesmo que repartida no tempo, a uma vida inteira com medo de perdê-la ou não alcançá-la. Mesmo que tu hoje digas que eras feliz no tempo em que os teus rins funcionavam. Porque muitas vezes te encontrei triste e desanimada, apesar do teu calmo sorriso e de brincares comigo. E nada te impede de vires a ser feliz, comigo ou com outrem, mas sobretudo contigo. Preciso é olhares em frente e não te deixares arrastar pela pena de ti. Porque todos temos limitações maiores ou menores, neste ou naquele campo. Preciso é sabermos aprender a viver com as nossas limitações para ultrapassarmos os muros que nos cercam ou querem levantar ou levantamos à nossa volta. (MMA - 1993.09.16/19)
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Houve na minha vida dois breves tempos de grande alegria, libertação e crença numa vida diferente: os meses a seguir ao 25 de Abril, (quando a alegria e a solidariedade andavam no ar e em cada esquina), e as primeiras semanas de 1986, (quando reatei relações com velhos amigos e te encontrei e contigo a esperança numa outra vida com amizade e carinho). Mas não se concretizaram as promessas que eles continham e hoje está de novo este tempo cinzento e fechado que me cerca. Um tempo retratado num velho poema meu de 1985 [1].
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Notícias do Bloqueio II
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Estão suspensas as palavras
Proibidos os gestos
de ternura, amizade e amor.
O silêncio invade as ruas
entra nas casas
senta-se à mesa da gente.
Que sentido tem dizer
amor
amiga
camarada
companheiro?
Que sentido tem
abrir as mãos e os olhos
e perguntar qual o significado do
que vemos, ouvimos, entendemos e sentimos?
Gaivotas loucas, alvoraçadas, enchem os ares
de movimento e ruído
enquanto a vida escorre pelos dedos
indiferente
medíocre
submissa. (MMA - 1993.09.23/26)
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Hoje, que te escrevo, é o primeiro dia deste ano de 1994. Hoje, que me lês, é o primeiro dia do resto de nossas vidas. Cada dia que passa é sempre o primeiro dia do resto de nossas vidas. A única diferença é haver cada vez menos primeiros dias à nossa frente. (MMA - 1994.01.01)
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[1] - ano anterior à nossa separação (minha e da mãe do Rui e da Susana) no Verão de 1986 e divórcio decretado em em 1987.
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1 comentário:

redonda disse...

Estou a gostar muito do teu novo blogue.
Queria um dia escrever algo assim.