segunda-feira, 23 de março de 2020

O ENSAIO DA ORQUESTRA

 * Victor Nogueira 

Há vários tipos de guerra, com armas "materiais" cada vez mais mortíferas e catastróficas, desde a pedra até à bombas nuclear ou biológicas, guerra que até há pouco era normalmente precedida duma "declaração" formal.

Mas há outros tipos de guerras, designadamente psicológicas, quer para "conquistar corações", quer para semear o terror, quer com matérias explosivos, quer por manipulação da consciência dos terráqueos.

Os motivos essenciais para o estado de guerra, larvar ou declarado, são económicos: apropriação e controle das fontes de matérias primas ou de circuitos de troca, aquilo que se designa como mercados.

Os mercados nas sociedades primitivas ou da Idade Média europeia, p. ex., são diferentes dos mercados capitalistas, cujo objectivo primordial é inventarem necessidades, criando produtos e bens, muitas vezes desnecessários, cada vez mais perecíveis e descartáveis, tudo em busca duma mais-valia que crie lucros incessantemente crescentes.

Quando vem o bláblá “guerreiro” de governos e meios de comunicação social que mascaram a cupidez dum sistema socio-económico como o capitalista, predador e destrutivo, é caso para perguntar que guerra é esta em que a maioria é apenas carne para canhão, que aceita passivamente toda a tralha comunicacional nas mãos dos donos disto tudo e seus homens e mulheres de mão.

Invocar ou inventar um estado de guerra para destruir países e povos, como sucede no Médio Oriente, ou dominar mercados como aquele que existe entre os países capitalistas, manipulando as consciências através de manchetes, de noticiário "cirurgicamente" formatado e direccionado, numa campanha semeadora e amplificadora de medos e do terror psicológicos, suspender a democracia e as relações inter-pessoais como sucede presentemente com pretexto do covid-19, hoje, de outro amanhã, de um terceiro no ano seguinte, provocar o caos e a paralisação da economia lançando na miséria grupos sociais inteiros, que caminha para o matadouro com a inocência dos cordeiros, é algo tenebroso.

De repente dos noticiários desapareceram as alterações climáticas, os refugiados que buscam asilo na Europa, que morrem nas águas do Mediterrâneo, os milhares ou milhões de mortos por outras causas e doenças, pandemias ou epidemias no mundo. Olhando para a paróquia, Tancos, Operação Marquês e processos similares, incêndios de Pedrógão desapareceram da comunicação social dominante.

Dizem eles que persistem (ainda e por enquanto) os direitos de reunião dos órgãos dirigentes dos partidos políticos e das organizações dos trabalhadores, mas esvaziam os locais de trabalho. atomizam as pessoas, proíbem as manifestações e reuniões, proíbem a resistência, atemorizam com multas e encarceramento quem "resista" à Autoridade e às suas "legítimas" ordens, "prevaricadores" apontados a dedo, ("porrada sobre eles", ouve-se e lê-se), independentemente das razões que possam invocar.

Estamos em guerra, dizem e clamam os governos e amplificam os órgãos de comunicação social, Não há atentados bombistas, não há atiradores furtivos e emboscados, não há aviões ou drones bombardeando, mas de repente a maioria do pessoal aceita o seu aprisionamento e confinamento, assim como restrições aos seus direitos e garantias, incluindo os de resistência, de manifestação e de reunião.

Mas se a economia parar, se as pessoas não comprarem, se as empresas falirem, designadamente as uni-pessoais e as de pequena e média dimensão, com o cortejo de despedimentos e da perda de rendimentos, se diminuir a entrega de verbas à Segurança Social e ao Fisco, como poderão manter-se o Direito à Habitação, assim como o chamado "Estado Social", o Serviço Nacional de Saúde, geral e universal, a Escola Pública, os apoios sociais à habitação, na doença, no desemprego, na 3ª idade? Como poderão manter-se se num quadro de desemprego generalizado aumentando o trabalho sem direitos?

Para já criou-se um "grupo" social de gente à partida considerada senil, incapaz de auto-discernimento, carente de especial protecção, potenciadora da transmissão do covid-19 e de ocupar as camas e os cuidados de saúde em prejuízo dos que têm mais valia social. Inicialmente seriam os maiores de 65 anos, mas depois o limite passou para os 70 anos. Inicialmente poderiam apenas circular nas duas 1ªs horas do dia, restrição que acabou por ser afastada. Entre a 1ª e a 2ª versões, onde começa e acaba a mão do Presidente da República, inicialmente auto-confinado na sua casa de Cascais e depois trasladando-se para a sua residência oficial, o Palácio de Belém, agora em prudente e recatado silêncio? Presidente da República auto-resguardado, e mandando para a frente o Governo, diz Sua Excelência que é para não tirar protagonismo (e a ribalta) ao Governo?

Isto porque se preocupam com os velhos, a esmagadora maioria, que vivem sozinhos, muitas vezes desamparados, em casa ou "armazenados" ao monte em lares mais ou menos manhosos, à espera da morte?

Não, se esta sociedade, os governos e a maioria das pessoas não se preocupam com os velhos, porque carga de água haviam de mudar do dia para a noite?

É natural que morram pessoas, morrem todos os dias pelos mais variados motivos, no mundo inteiro, vítimas da fome, de pandemias, de doenças, que não têm meios para evitar ou curar, vítimas da guerra, da falta de água, da falta de cuidados básicos de saúde, sejam recém-nascidos, jovens adultos, velhos, homens, mulheres e crianças, ninguém fica cá para semente, Como se todos os dias não houvesse senão a morte, o terror, o aprisionamento.

De repente ocorre-me que por vezes ao chegar ao local de trabalho,encontrava o pessoal administrativo a comentar quem andava com quem, para além das mortes e divórcios da véspera, perguntando-lhes eu de seguida se na véspera não tinha havido festas, nascimentos e casamentos!

Deveríamos considerar que tudo isto é um "barro à parede", criando um grupo social de potenciais infecto-contagiosos, irresponsáveis, compulsivamente confinados à solidão ainda maior, à impossibilidade de cavaquearem ou jogarem à bisca ou ao xadrez no banco do jardim ou na taberna, "proibidos" de passearem pelos jardins, pelas ruas mesmo que não ponham em causa a saúde deles ou de outrem, ainda mais impossibilitados de receberem manifestações físicas de carinho e afecto, os poucos que ainda as recebem?

Confinadas a "consumirem" o que as redes sociais, a imprensa on-line e as televisões despejam nas casas das pessoas, mergulhadas na alienação das relações meramente virtuais, encasuladas em casa, vítimas crescentes do stress, da depressão, das frustrações, impossibilitadas de espairecerem ou de mudarem de ares para carregar as baterias, sujeitas aos nada inocentes massacres noticiosos, violentadas na sua condição humana, como reagirão as pessoas?

Em seguida, com o "triunfo" da barbárie e da desumanidade, logo chegarão outros grupos sujeitos a confinamento e perda de direitos. Tudo isto em nome duma crise que os donos disto tudo e o capitalismo, endemicamente criam e reproduzem, com resultados cada vez mais desastrosos.

Que Liberdade tem quem não tem dinheiro, quem não pode viajar ou deslocar-se porque não há meios de transporte acessíveis, quem não pode estar desempregado,com cada vez com menos ou nenhuns direitos, quem não pode comprar os produtos e géneros que abarrotam as prateleiras das lojas e dos supermercados? Quem não tem dinheiro para pagar seguros de saúde, por exemplo?

Que sociedade de mercado e de produção e de troca é esta em que se não houver dinheiro são negados e tripudiados os já considerados "subversivos" direitos humanos solenemente proclamados na sequência da derrota do nazi-fascismo?

SOBRE AS 4 GERAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS VER

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