Um partido de gritos
Está em marcha a organização em partido dos sectores mais capitulacionistas do reformismo prostrado. Por outras palavras, as pessoas que gostam do PS, militariam no PS, concordam no essencial com o PS, estariam dispostas a empunhar para todo o lado a bandeirinha do PS se isso não lhes tirasse a aura de gente cool de esquerda, decidiram-se a inventar um partido que cheira a PS, sabe a PS, soa a PS, tem aspecto de PS, mas que não é o PS, de modo a preservar a dita aura de esquerda cool.
O nome do partido é LIVRE. Assim mesmo, com todas as letras em maiúsculas, a fazer fé no site respectivo. Dá a impressão que o nome do partido em questão é para ser exclamado, bramado, berrado de cada vez que é proferido. Vejo Rui Tavares dizer, em entrevistas à Judite de Sousa que «a posição do LIVRE será discutida nos órgãos próprios do LIVRE porque dentro do LIVRE há opiniões diferentes mas a opinião oficial do LIVRE é definida no LIVRE pelos órgãos próprios do LIVRE e não pelo líder do LIVRE», esticando o pescoço, contraíndo a testa, esganiçando o altissonante brado do nome da coisa de cada vez que se refere à coisa com tal nome. O sonho de fazer um partido de gritos é tão grande que, ainda a agremiação não foi parturejada por inteiro, já se lhe define como orientação central que nasce disposta ao berreiro.
Fique claro que pouca coisa me chateia menos que gente que fala alto. Eu falo bastante alto, e com sotaque do Porto, o que torna a experiência de conversar comigo insuportavelmente arruaceira, e ainda bem. O mal do LIVRE não é falar alto, que é a forma: é berrar sem lá ter nada dentro, de conteúdo. Ou pelo menos de conteúdo que se possa reclamar vagamente transformador da sociedade, atendo-se à invocação, em vão, da esquerda e até (ao que chega a lata de alguns…) do socialismo. E de que socialismo nos falam? Um socialismo de «recusa da mercantilização das pessoas» (houve um tempo em que os capitulacionistas pelo menos fingiam ter uma perspectiva de classe: agora reduzem-se ao personalismo, não sei se cristão se outro, sem máscara posta, não vá o capital duvidar da sua fidelidade) e no qual será «crucial na criação de uma economia mista, em geral com três setores (privado, público e associativo/cooperativo)». Aos delírios de António José Seguro de um capitalismo ético responde Rui Tavares com o delírio de um socialismo capitalista. O Zé Mário Branco bem dizia que as palavras já não querem dizer nada, são só bolinhas de sabão: mas uma destas nem a ele lhe ocorreria.
Outra coisa que caracteriza este partido e que mostra com propriedade o brocardo francês de que «le mort saisit le vif»: tradicionalmente, na democracia portuguesa, os partidos chamam-se partidos. Há o Partido Comunista Português, o Partido Socialista, o Partido Social-Democrata, e até o CDS se tornou, nos tempos de Manuel Monteiro, o Partido Popular. No final do milénio, a coisa começou a mudar com o aparecimento de um «Bloco»: mas mesmo esse era «de Esquerda», conservando uma definição formal do tipo de organização que era, e uma definição material, do propósito político que tinha. O LIVRE é um adjectivo sem substantivo, é a qualidade de coisa nenhuma. Adjectivo em termos morfológicos, será também adjectivo, no sentido jurídico do termo, para alguém que bem sabemos. Rui Tavares, na recente publicação do seu livro «A Tragédia Europeia» foi fotografado, sorridente, com Mário Soares de um lado e Carvalho da Silva do outro. É um homem livre, o chefe do LIVRE: e os homens livres, sabemos, deitam-se com quem quiserem. E fazem-nos a cama, a todos, por vezes.
O LIVRE vende-se-nos ainda com uma mentira histórica e com uma ironia histórica. Mente quando assevera «a Europa arrisca-se a falhar na sua promessa de prosperidade partilhada, democracia e direitos fundamentais para todos». A «Europa» nunca prometeu semelhante coisa. A CEE ou a UE – que parecendo que não são coisa distinta… – poderão tê-lo feito, mas ninguém em seu perfeito juízo alguma vez acreditou na propaganda que lhe foi vendida pelo invasor. Muito menos quem, sendo historiador de formação, se debruça sobre uma organização transnacional buscando encontrar-lhe as raizes: quem considerar que a CEE (e então a UE…) nasce com vista ao cumprimento de uma «promessa» de «prosperidade partilhada», está louco. Quem julga que uma organização com a arquitectura institucional antidemocrática, blindada e irreformável da UE «promete» desde o nascimento «democracia», só pode usar de má fé. Quem encontra nos promotores do livre-comércio, da abolição de fronteiras, da circulação de bens capitais e mercadorias sem entrave um promotor sério de «direitos fundamentais para todos» e não do esmagamento do trabalho pelo capital, dos pequenos produtores pelos grandes conglomerados, e se espanta que seja decorrente desta infra-estrutura uma superestrutura excludente dos «inadaptados», dos «fracos», dos «incapazes», não tem a noção mais ténue do que a história é de que dinâmicas tem.
Mas pior do que a mentira histórica é a ironia do símbolo, a papoila, tida por «símbolo de paz» pelo LIVRE. Com efeito, a papoila é um símbolo ligado ao 11 de Novembro de 1918, data da subscrição do armistício entre Alemanha e França. Mas a sua origem não favorece o novo partido: as papoilas tornaram-se então símbolos de paz porquanto foi observado que, na Flandres, por força do aquecimento do solo e da temperatura ambiente decorrente das barragens de artilharia, tinham surgido condições propícias ao nascimento de papoilas, que proliferavam pelo território. O símbolo do Rui, portanto, a ser de paz, é da paz dos cemitérios. Da paz que sai de um bombardeamento. Paz bonita e perfumada, admito, e paz que faz um belo bouquet com as rosas do outro. Mas uma paz sob a qual estão, descansando em paz, os corpos de todos nós.
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Pela descrição que faz, fica-se com a certeza que não era preciso criar o “Livre”.Afinal o PS não dirá diferente!
são tão catitas e feiticeiras;
oh que belo rancho da mocidade
cantai raparigas: Viva a Liberdade !
quem a tem chama-lhe sua
eu não tenho liberdade
nem de pôr o pé na rua !
Passam ligeiras, enfarruscadas,
Parecem morenas, é do carvão,
São boas pequenas, com bom coração
as carvoeiras
são tão catitas
as feiticeiras !
da mocidade!
Viva as raparigas!
viva a liberdade.!
ninguém as devia dar;
dão-lhes o pé, tomam a mão;
de tudo se vão gabar !
Só que o conceito de “igualdade” que a esquerda defende vem sempre agarrado à limitação da liberdade.
O maior opressor é o Estado, que a esquerda quer sempre cada vez maior e mais opressor.
O “Livre” (ou é “LIVRE”?) pretende, ao contrário da esquerda a que afirma pertencer, que a liberdade dos indivíduos suplante a liberdade do Estado com, p.e., menos regulamentos e menos impostos? (pergunta retórica porque o Nuno, nos parágrafos seguintes, responde a esta questão de forma bastante enfática)
Em eleições livres e democráticas, sem gritaria na rua nem as minorias a “exigirem” a demissão dos eleitos por maioria. Certo?
E, no entanto, foi precisamente isso que fez, quando referiu (no parágrafo anterior) que a “luta” será “contra a oligarquia capitalista”.
Cada um se organizará como bem entender, desde que não seja com um ou mais a avançarem com o capital para formar a empresa, assumirem a responsabilidade pelo pagamento das contas e decidirem como a empresa funcionará e os outros a contribuirem com o seu trabalho a troco de um pagamento regular, tenha a empresa lucro ou prejuízo. Liberdade sim mas não exageremos.
Como partido de esquerda, o “Livre” acha que todos são livres de se organizarem como quiserem desde que queiram organizar-se segundo uma forma aprovada pelo “Livre”.
Chega-lhges…
Que exorcismo mais canhestro!
Mas eu teria algum cuidado com a análise «sociológica» que se queira fazer sobre a «não existência de classes sociais»… Pode haver muitos médicos, cientistas e engenheiros e quadros que não saibam que são proletários, mas que os há, lá isso há… E sobretudo cada vez mais vai havendo mais «excluídos» do sistema, para alimentar o velhinho «lumpen proletariat»…
Nos «factores de produção» temos Capital (a terra trabalhada já é Capital) e temos Trabalho. Estes dois factores interagem com a ´mãe» Natureza (para já transformando e exaurindo recursos, mas isso é outra estória…).
Depois há uns «agentes sociais» que são donos de Capital (recursos herdados da acumulação anteriormente feita) e outros «agentes sociais» que são donos de «força-de trabalho». E há também uns grupos de agentes que estão encavalitados entre os dois tipos fundamentais; e que às vezes caem para um lado e outras vezes caem para o outro.
São aqueles – hoje como há 150 anos atrás – as duas classes fundamentais que, à escala de todo o planeta, vão funcionando como «polos de atracção» dos grupos intermédios.
Confesso que não estou a ver como é que a análise de São Karl de Trier e de São Frederick de Barmen estejam desactualizadas…
A menos que me expliquem que foi o facto de haver aviões – e outros «mais pesados do que o ar» que não caem – aquilo que desactualizou a teoria gravitacional de Newton…
A única coisa que se alterou (e nao é pouca coisa…) foi a População (hoje somos 7.000 milhões) e a Geografia (já não há mais «fronteiras» para desbravar…).
O sistema capitalista está hoje no seu apogeu e esplendor. Não é por se ter modificado a sua aparência externa que se alterou a sua lógica interna (de crescimento e expansão geográfica em busca de novos mercados).
Como não se antevê «colonização das estrelas (pode ser… pode ser…) é chegada a altura de os nossos revolucionários «perderem algum tempo» a estudar a lógica profunda de funcionamento do sistema…
Nao lhes dou um ano…..
Paz à sua alma
Primeiro foi a Política XXI e a UDP. Como esses já não davam, criou-se o BE. Agora o BE já é história, crie-se o LIVRE.
Em qualquer caso, não passa de um “produto de marca branca” do PS.
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
o dia, porque és ele.
ainda se fosse um partido que combatesse qualquer poderoso… ajudar na luta dos de baixo contra os lá de cima… entendia-se que seria livre… mas indo para a cama com todos os poderosos, não passam de uns grandes f…. d p…..!
O nosso socialismo nao é um estatismo. É um liberalismo?
Recusa da mercantilizacao das pessoas, do trabalho…. Então mas o trabalho nao é uma mercadoria na tal economia mista?
OH camaradas mas isto já existe agora ! para que tanto esforço?
Agora já percebo. O Nuno é um troll. Não admira que se esteja a rir, com a atenção que lhe está a ser dada.
1. Privatizações em curso;
2. Aumento do salário mínimo;
3. Aumentos da Função Pública e Pensões;
4. Austeridade;
5. Presença no Euro;
6. Presença na Nato;
7. Ingerência em países estrangeiros (p.e. Líbia e Síria);
8. Orçamento de Estado 2014;
9. Imposto sobre PPP’s;
10. Orçamento Europeu;
11. Regra de ouro na Constituição;
12. Revisão Constitucional.
Sou simplesmente de esquerda e subscrevo integralemente este post.
Se havia uma coisa que não fazia falta neste país era mais um partido de “esquerda europeista”.
Ou seja, na situação actual, um oximoro.
Mais um partido que não percebe:
- que o tempo que vai demorar em tentar alcançar o sonho de uma UE diferente (uma união das esquerdas e outras tretas parecidas), vai levar o país para o abismo, tal como aconteceu na Grécia e como está a acontecer em toda a periferia.
- que o Tratado de Lisboa para alem das genericas declarações de principio sobre os direitos fundamentais é o resultado de um projecto politico “Hayekiano” de submissão dos governos democraticos as forças do mercado a partir do “pilar” da Independencia do Banco Central.
- que foi o Euro (não o euro forte ou fraco mas sim a propria união monetaria) a causa dos desequilibrios internos da zona euro que determinaram a amplificação e o perdurar da crise gerada pelo crack da Lehman.
Mas depois de tantos debates internacionais sobre o assunto, começo a desconfiar que mais do que ignorancia trate-se de má fé…
Mais um partido de direita disfarçado (inconscientemente ou não) tal como PS,BE e em parte o proprio PCP.
Boa deflação a todos!