terça-feira, 13 de setembro de 2011

Os dias da (pré) Revolução (1)


 

a Segunda-feira, 12 de Setembro de 2011 às 22:19
* Victor Nogueira
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Com um ar grave e solene o locutor de serviço na Televisão comunica à hora do noticiário que a emissão prossegue com um concerto de Freitas Branco, até que sejam transmitidos os comunicados do Movimento das Forças Armadas. O emissor do Rádio Clube Português transmite música portuguesa. Aguardo que retransmitam o comunicado da prisão do Presidente do Conselho de Ministros, refugiado no Quartel da GNR, no Largo do Carmo em Lisboa.
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A Rua do Raimundo, os carros nela estacionados, o pátio, o terraço, a casa de banho, estão juncados de restos de papéis queimados. Grande actividade vai ali na sede da Acção Nacional Popular (1) onde devem procurar livrar-se de papéis comprometedores. São já quase 20 horas e um novo comunicado informa que "Sua Excelência o ex Presidente do Conselho de Ministros se rendeu incondicionalmente a Sua Excelência o General António de Spínola, juntamente com os ex-Ministros do Interior e dos Negócios Estrangeiros" O Pai Tomás ainda não se rendeu. Penso que os regimentos de Évora ainda não aderiram ao pronunciamento militar. Pelo menos nenhum dos jornais que li hoje fala em Évora, sede de uma das quatro Regiões Militares. (...)
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Foram pancadas secas as que me acordaram cerca das 8 h 30 m desta manhã, seguidas dum jorro de luz sobre os olhos e da visão do Diogo [Guerreiro] em pijama, o rádio na mão: "Ouve lá isto e vê se percebes alguma coisa!" Meio a dormir ouço, pelo rádio, um apelo aos médicos e falar nas operações iniciadas na madrugada de hoje. Estou baralhado e nada sei sobre o que estou a ouvir. A Emissora Nacional está silenciosa. Ouve-se música portuguesa, especialmente do Zeca Afonso. Durante o resto do dia segue-se a audição dos comunicados do Comando das Forças Armadas. No Instituto a malta aglomera-se junto aos automóveis com rádio. A Filomena está assustada (tem muito medo das revoluções!) e diz que é um golpe das esquerdasMas nada se sabe de concreto sobre a finalidade e orientação do Movimento.
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Dizem-me que os bancos estão encerrados e dou por mim a pensar se o dinheiro que tenho no bolso me chegará para o fim de semana. Felizmente que levantei ontem massas, se não estava lixado.
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À cautela passo pelo Nazareth para arranjar um exemplar do livro do Spínola [Portugal e o Futuro], que não circula em Angola e que o [meu irmão Zé] tem interesse em ler.(...)
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Venho até casa para saber de que lado está a RTP. A emissão começa à hora habitual - 12:45 - e surge um locutor de olhar esgazeado, olhando para a direita e para a esquerda, ouvindo-se ruídos no estúdio. A emissão é interrompida. Será um locutor do Movimento? A emissão recomeça pouco depois e a dúvida desvanece-se: o locutor, com ar atrapalhado, informa que a seguir serà um filme da série Daktari, o telejornal das 13:45 e a Telescola. A emissão é novamente interrompida, recomeçando pouco depois com o filme anunciado: animais sendo caçados com laços.
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(...) Nos comunicados do MFA o general   Spínola é apresentado como o fiel intérprete dos sentimentos da população (que não se teria manifestado) (2) Eis o homem. Para já, teremos uma ditadura para restaurar as liberdades cívicas.
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Nas ruas de Évora, durante o dia, a malta sorria-se, euforicamente, numa euforia um pouco contida. (1974 ABRIL 25).

1 - Cujas traseiras dão para o pátio da casa onde moro.
2 - Ao contrário do que sucedia em Lisboa, com a população a encher as ruas e rodear os militares, determinando o rumo do Movimento, em Évora as manifestações populares foram muito comedidas.

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A Rádio Renascença transmite  “Os Vampiros", do Zeca Afonso! Rei morto, Rei posto! A Junta de Salvação Nacional, como a si própria se intitula, abre a tarracha e já hoje tornou público o seu programa, cujo ponto limite é a realização de eleições gerais para a Assembleia Constituinte e Presidente da República no prazo de 12 meses.
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No café Estrela, velhos falam dizendo que os jovens de agora são melhores que no seu tempo:  A gente também não concordava com o Salazar mas nunca tivemos coragem de fazermos o que eles fizeram.". Nas imagens que a RTP transmite a nota dominante entre os manifestantes e os mirones era a juventude. Outro velho diz que nunca foi marcelista.
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No Instituto o Director [António da Silva, s.j.] anda nervoso e carrancudo. Comunica à Comissão Administrativa da Associação dos Estudantes que não autoriza a Reunião Geral de Alunos convocada para essa tarde, pretende que a [referida] Comissão nomeie outra Comissão, que deverá submeter à sanção da Direcção do Instituto. A Comissão discorda, o Director desdiz-se mas exige que lhe sejam comunicados os nomes, reservando-se o direito de vetá-los. A reunião realiza-se, [fora das instalações do ISESE, no edifício - ocupado - que fora da Legião Portuguesa] comparecendo 30 estudantes.
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É aceite por maioria absoluta uma moção minha: "Escolher uma Comissão que terá como finalidade detectar junto dos estudantes dos problemas que os afectam enquanto estudantes., o modo de resolvê-los bem como à sua atitude face à Associação dos Estudantes"
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Seguidamente 10 dos estudantes presentes oferecem-se para serem votados para constituírem essa Comissão. Decide-se que serão escolhidos os cinco nomes mais votados que integrarão a Comissão, que fica assim constituída: Ribeiro (1º ano) - 9 votos; Luís Carmelo (2º ano Sociologia) - 11 votos; João Luís Garcia (3º ano Sociologia) - 11 votos; Faria Monteiro (1º ano) - 12 votos; Victor Nogueira (5º ano Sociologia) - 16 votos.
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Quer a Direcção [do ISESE] aceite ou não, ela submeter-se-à a um plebiscito [entenda-se, ractificação] junto de todos os estudantes. (MCG - 1974.04.26)
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O Telejornal transmite a libertação dos presos políticos do Forte de Caxias. (...) Uma grande multidão - milhares de pessoas aguardaram duram mais de hora e meia pela chegada [a Évora] do cortejo automóvel que acompanhava os presos políticos libertados - uns 3 ou quatro, um dos quais há 12 anos. (1) (...)
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Na placa central da Praça do Giraldo um grande magote de pessoas estão comprando "A Capital". São autênticas corridas aos jornais, avidamente disputados, como os dos últimos dias. Toda agente anda de jornal debaixo do braço ou lê-o à mesa do café ou especado na rua. Até, oh! surpresa, raparigas! (Muitas mulheres têm tanta pena do Marcelo [Caetano], coitadinho, tão simpático, tão amigo do povo!) SAFA! A caça aos PIDES continua. (...)
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Passaram hoje em Évora uma coluna de carros de assalto, jipões e jeeps. Os soldados iam sorridentes, acenavam, alguns tinham flores nos canos das armas. Os populares gritam "Obrigado, rapazes!" e eu depois tenho pena de não ter correspondido ao aceno dos militares, apesar de estar comovido. (...)
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O 1º de Maio - Dia do Trabalhador - é finalmente feriado. Prevê se uma manifestação, que de resto agora são livres.
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(…) Viste o TV 7, ontem, domingo? É muito para um homem só ouvir finalmente, aquilo que alguns pensavam, muitos sentiam, mas não se podia dizer. E sobretudo o fim da guerra colonial, o direito à greve... Não, (...) não creio que se possa retroceder.
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A luta dos próximos tempos será de morte (não, não me refiro à guerra civil!); espero que o povo português não perca tudo o que pretenderão tirar-lhe: uma sociedade mais justa e humana. Mas de algo estou certo: "a longa noite do fascismo não voltará!". (MCG - 1974.04.27/28)
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Acabei de jantar, hoje sózinho. Os meus colegas foram até Lisboa em excursão para serem recebidos pelo MEC  [Ministério da Educação e Cultura]. Eu fiquei! Agora janto aqui numa casa particular, perto do RI 16 [Regimento de Infantaria 16]. Gosto da casa - por dentro - e a comida não é má. (25 paus por refeição) (2) (MCG - s/data 1974.05.29)

1 - Dois deles eram o António Gervásio e o Diniz Miranda.

2 - Seria a casa do sr. Rolo, de que falo noutra carta? (MCG - 1974.06.24)

José Afonso - Os Vampiros (ao vivo no Coliseu)
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Enviado por  em 10/06/2008

O último concerto de Zeca Afonso em 29 de Janeiro de 1983, no Coliseu
 
1974 - Paulo de Carvalho - E Depois Do Adeus
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Enviado por  em 15/01/2010
nenhuma descrição disponível




COMUNICADO DAS FORÇAS ARMADAS
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Enviado por  em 23/09/2009
Enviado por  em 10/04/2008
25 DE ABRIL 1974


Revolucao dos Cravos - Grandola, Vila Morena - 2011
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 Amália Rodrigues

Zeca Afonso - Grândola Vila Morena na TV da Galicia
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Enviado por  em 07/05/2007
Grândola Vila Morena na TV Galicia interpretada por Vitorino, Sergio Godinho, Dulce Pontes, Tito Paris, João Afonso, ...

cartoon João Abel Manta

cartoon João Abel Manta - Os vira-casacas

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

évoraburgomedieval no antigamente (7)



por Victor Nogueira a Sexta-feira, 2 de Setembro de 2011 às 11:20
* Victor Nogueira
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Num repelão
Gesto teatral inautêntico
disse que não almoçava e saí
esperando que me retivessem!

Assim
encontro-me no vozear barulhento do Arcada
onde a porta gira continuamente

"Adeus oh escriturário!"
As primeiras e únicas palavras que alguém me dirige
Alem do "obrigado" do criado, perdão,
do empregado,
quando lhe paguei o garoto claro
e lhe dei cinco tostões.

Mas as palavras do Morte passaram
como a chuva escorrendo pela minha gabardine branco sujo!
Como o Campos
que diz poesia muito bem
e que esteve em Luanda.

A cadeira defronte a mim continua vazia:
apenas ocupada com o "Chamberlain" e a gabardine

... ... ... ... ... ...

Dizem que estou apaixonado
Mas isso não e verdade.
Ou é !?
Estar apaixonado é isto!?
Esta eterna espera pelo incerto?!
Espero -te !
És a voz quente e cordial da Emília
que de repente arrefece e desaparece.
És a Maureen, borboleta esvoaçante e carinhosa.
És a miudinha sorridente da papelaria do Chiado,
essa mesma, que tinha uma covinha no queixo.
Sois todas vós, oh mãos estendidas,
oh lábios sorridentes, oh verdes olhos pretos
ou pretos olhos verdes!
Todas vós.
Ninguém!

Dizem que os livros são os nossos melhores e maiores amigos.
Mas os livros não se sentam á nossa beira,
nem tem olhos, nem sorriem
nem nos abraçam,
nem connosco passeiam pela rua, pelo campo.
Nada podemos dar aos livros
senão as letras dos nossos pensamentos
ou um pouco de nós
para que chegue aos outros.

Os livros têm os olhos que nós temos.
E os seus lábios são os nossos lábios.
Porque se os livros tivessem olhos
e lábios e mãos e dedos
seriam talvez pessoas
mas nunca livros.

Lembras-te do Cunha?
Em Luanda
era um alfarrabista de corpo dolorido e disforme,
a quem os miúdos roubavam e provocavam.
Cria em mim
esperava ainda ver o meu canudo
de senhor doutor.
Dizia ser eu um jovem diferente dos outros
e nunca o consegui convencer do seu erro:
Falávamos de ópera - e ele trauteava as árias.
Falávamos do Camilo e do Zola
e da enorme fortuna que ele teria se os livros em stock fossem libras.
O homem que não conseguiu ser ele mesmo,
condenado a vender a abominável literatura de cordel.
"Escreva-me. Não se esqueça deste pobre velho!"
"Havemos de ver-nos nas Férias Grandes."
O meu postal ficou sem resposta.
O Cunha morreu.
Só.
Abandonado.
Como um cão!
(Eu, que era seu amigo, nunca o convidara para a minha mesa)
E nas tardes quentes e plúmbeas
Mais uma voz silenciou-se.
Os frigoríficos do Pólo Norte
-Frimatic, o Rei dos Frigoríficos -
substituem os livros que nunca foram libras!


16 Março 1969
Évora


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Rien que la verité



Eu sou eu
tu és tu
ele é ele
ela é ela
tudo o resto é ilusão e/ou
ingénua boa vontade




Victor Manuel



Que é a verdade?




1971.JAN.26
Évora

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Esperava-te
não
nos
encontramos
palavras
sohlepse
(c) (s) em
...........imagens
e o peso...........do passado
angústia
de tudo
o que nos demos
-------ficou por dar
a vertigem
dos dias maravilhosos
reencontrados
perdidos
os rios..........tumultuosos
subindo
subindo
subindo
olhos
secos
lábios
cerrados
faces.....serenamente.....crispadas
relógio
batendo
o tempo
estóico
esterilizante
quero-te
sem ar de mendigoesmolando
ternura
as mãos
estendidas
quero-te
na paz
........combativa
.....................liberdade


 1971.Abril.01 - Évora



**********

  • Victor Nogueira


1. A PORTA
Aborte
o forte
a morte

o norte
aporte
a sorte


2. A PONTA

aponta
a porta
a posta

aponte
o porte
o poste

aponto
o porto
o posto

a pasta
no pasto
a pista
paste


3. A POSTA


paste
perto
o pinto
por ti


4. À PARTE

aparto
a peste


Évora 1972 Outubro 18

O quarto em Évora
O quarto em Évora
O quarto em Évora
O "artista" aos 20 anos
O "artista" aos 30 anos
O "artista" à porta do nº 44 da Rua Rua do Raimundo. Logo a seguir a pensão e taberna do Cachatra
Évora - Rua do Raimundo (ao cimo a Praça do Giraldo. Antes à direita o Café Alentejano e quase defronte, à esquerda, a tabacaria donde se faziam os telefonemas - 3 ou 4 cabines públicas.A meio, à direita, a tabaccaria do Zé do Casarão) - Foto Victor Nogueira
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Mas esta moça não dorme !

* Victor Nogueira
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Mas esta moça não dorme. Eu acordo no alto da madrugada e lá está ela indómita, conduzindo com agilidade pelas auto-estradas ou SCUTS do ciber-espaço. O que nos vale é que a troika e os sócretinos passes de coelho escavacados só-ares de pateta alegre ainda não descobriram como taxar a nossa circulação nelas, absortos como estão com a preservação das poupanças dos ricos e congeminando como nos sugarem até ao tutano.