sexta-feira, 2 de setembro de 2011

évoraburgomedieval no antigamente (7)



por Victor Nogueira a Sexta-feira, 2 de Setembro de 2011 às 11:20
* Victor Nogueira
.
.
Num repelão
Gesto teatral inautêntico
disse que não almoçava e saí
esperando que me retivessem!

Assim
encontro-me no vozear barulhento do Arcada
onde a porta gira continuamente

"Adeus oh escriturário!"
As primeiras e únicas palavras que alguém me dirige
Alem do "obrigado" do criado, perdão,
do empregado,
quando lhe paguei o garoto claro
e lhe dei cinco tostões.

Mas as palavras do Morte passaram
como a chuva escorrendo pela minha gabardine branco sujo!
Como o Campos
que diz poesia muito bem
e que esteve em Luanda.

A cadeira defronte a mim continua vazia:
apenas ocupada com o "Chamberlain" e a gabardine

... ... ... ... ... ...

Dizem que estou apaixonado
Mas isso não e verdade.
Ou é !?
Estar apaixonado é isto!?
Esta eterna espera pelo incerto?!
Espero -te !
És a voz quente e cordial da Emília
que de repente arrefece e desaparece.
És a Maureen, borboleta esvoaçante e carinhosa.
És a miudinha sorridente da papelaria do Chiado,
essa mesma, que tinha uma covinha no queixo.
Sois todas vós, oh mãos estendidas,
oh lábios sorridentes, oh verdes olhos pretos
ou pretos olhos verdes!
Todas vós.
Ninguém!

Dizem que os livros são os nossos melhores e maiores amigos.
Mas os livros não se sentam á nossa beira,
nem tem olhos, nem sorriem
nem nos abraçam,
nem connosco passeiam pela rua, pelo campo.
Nada podemos dar aos livros
senão as letras dos nossos pensamentos
ou um pouco de nós
para que chegue aos outros.

Os livros têm os olhos que nós temos.
E os seus lábios são os nossos lábios.
Porque se os livros tivessem olhos
e lábios e mãos e dedos
seriam talvez pessoas
mas nunca livros.

Lembras-te do Cunha?
Em Luanda
era um alfarrabista de corpo dolorido e disforme,
a quem os miúdos roubavam e provocavam.
Cria em mim
esperava ainda ver o meu canudo
de senhor doutor.
Dizia ser eu um jovem diferente dos outros
e nunca o consegui convencer do seu erro:
Falávamos de ópera - e ele trauteava as árias.
Falávamos do Camilo e do Zola
e da enorme fortuna que ele teria se os livros em stock fossem libras.
O homem que não conseguiu ser ele mesmo,
condenado a vender a abominável literatura de cordel.
"Escreva-me. Não se esqueça deste pobre velho!"
"Havemos de ver-nos nas Férias Grandes."
O meu postal ficou sem resposta.
O Cunha morreu.
Só.
Abandonado.
Como um cão!
(Eu, que era seu amigo, nunca o convidara para a minha mesa)
E nas tardes quentes e plúmbeas
Mais uma voz silenciou-se.
Os frigoríficos do Pólo Norte
-Frimatic, o Rei dos Frigoríficos -
substituem os livros que nunca foram libras!


16 Março 1969
Évora


**********

Rien que la verité



Eu sou eu
tu és tu
ele é ele
ela é ela
tudo o resto é ilusão e/ou
ingénua boa vontade




Victor Manuel



Que é a verdade?




1971.JAN.26
Évora

**********

Esperava-te
não
nos
encontramos
palavras
sohlepse
(c) (s) em
...........imagens
e o peso...........do passado
angústia
de tudo
o que nos demos
-------ficou por dar
a vertigem
dos dias maravilhosos
reencontrados
perdidos
os rios..........tumultuosos
subindo
subindo
subindo
olhos
secos
lábios
cerrados
faces.....serenamente.....crispadas
relógio
batendo
o tempo
estóico
esterilizante
quero-te
sem ar de mendigoesmolando
ternura
as mãos
estendidas
quero-te
na paz
........combativa
.....................liberdade


 1971.Abril.01 - Évora



**********

  • Victor Nogueira


1. A PORTA
Aborte
o forte
a morte

o norte
aporte
a sorte


2. A PONTA

aponta
a porta
a posta

aponte
o porte
o poste

aponto
o porto
o posto

a pasta
no pasto
a pista
paste


3. A POSTA


paste
perto
o pinto
por ti


4. À PARTE

aparto
a peste


Évora 1972 Outubro 18

O quarto em Évora
O quarto em Évora
O quarto em Évora
O "artista" aos 20 anos
O "artista" aos 30 anos
O "artista" à porta do nº 44 da Rua Rua do Raimundo. Logo a seguir a pensão e taberna do Cachatra
Évora - Rua do Raimundo (ao cimo a Praça do Giraldo. Antes à direita o Café Alentejano e quase defronte, à esquerda, a tabacaria donde se faziam os telefonemas - 3 ou 4 cabines públicas.A meio, à direita, a tabaccaria do Zé do Casarão) - Foto Victor Nogueira
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